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O Espírito Santo de hoje é o Brasil de amanhã; o caldeirão social está fervendo

Brasil de Temer: o caldeirão social está fervendo

9 de Fevereiro de 2017 – por Tereza Cruvinel

Nas noites cálidas do Jaburu,  com sua lagoa privativa, no gabinete envidraçado do Planalto, ou mesmo em eventos, cercado pelo cordão de áulicos, Michel Temer parece não sentir o calor e a trepidação da fervura social que vai se alastrando pelo país. Quando as reformas previdenciária e trabalhista começarem a ser votadas, e a percepção das maldades que elas contêm se alastrar, haverá caldo entornando.

Já o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, mais atento o sismógrafo social,  falou grosso hoje, defendendo a presença do Exército nos estados e prometendo repressão aos protestos contras as reformas: “O movimento que quiser dialogar, dialogue. Mas o movimento que quiser fazer baderna, a gente tem que colocar a ordem.”

A violência  explode em Vitória, com mais de 100 mortos durante a greve da PM.  Lojas foram saqueadas, os ônibus pararam, um sindicalista foi assassinado hoje, a emissora afiliada à Rede Globo e outros veículos tornaram-se alvo de protestos.  A população evita as ruas.  Não há ministro da Justiça, o da Defesa está em Paris e Brasília se limita a enviar efetivos.

No Rio, novamente a  praça de guerra em frente à Assembléia Legislativa nesta quinta-feira, agora contra a privatização da Cedae para garantir o acordo com  o governo federal.   Vender a empresa de água e esgoto, em curso também no Paraná, é comprometer o futuro do abastecimento.

Como lembrava ontem o senador Requião, é com os ganhos maiores nas capitais que elas investem nas cidades menores, onde o retorno é mais baixo. Em mãos privadas, tratarão apenas de lucrar.  A calamidade financeira castiga o Estado, os funcionários não recebe, a economia local parou e agora o governador também é acusado de ter recebido propina.

Os presídios estão sob aparente controle mas as facções continuam em guerra e a qualquer momento voltarão a se enfrentar, matando e decapitando. O Exército, que não é polícia, tem como missão constitucional garantir a segurança nacional contra ameaças externas, virou pau para toda crise. Já foi utilizado para controlar ameaças de caos no Rio Grande do Norte, Amazonas, Espírito Santo e Rio de Janeiro.

A crise na área de segurança é latente em vários estados e aguda no Rio Grande do Sul, onde a violência campeia, com uma média de três assassinatos por dia em Porto Alegre.  Pelo que disse Padilha, é no Exército que o governo se agarrará para garantir “a ordem”. Até quando o Exército aceitará este papel?

A economia leva água para o caldeirão. Não adianta festejar uma inflação de 0,38% em janeiro, a menor da série histórica para o mês, se o emprego não aparece e a renda desaparece. Mais que o corte na taxa de juros, é a recessão que puxa a inflação para baixo. Se ninguém compra, quem vende tem que baixar o preço.

Mas o grande descalabro é  moral. Um ministro “do peito” indicado para o STF, um outro alvejado por duas liminares sustentando que a nomeação foi para garantir foro privilegiado (uma já derrubada, mas isso não suprime o efeito nefasto), os presidentes da Câmara e do Senado delatados, a comissão que sabatinará o indicado ao Supremo apinhada de investigados. E em Curitiba,  um Eduardo Cunha ameaçando incendiar o palheiro se não for logo liberado.

O solo treme mas o governo segue tentando implementar a “solução Michel”:  delimitar a Lava Jato ao que já foi feito contra o PT e as empresas nacionais envolvidas.  Neste “novo normal” do Brasil, as panelas não batem e os movimentos que pediram a moralização nacional com a derrubada de Dilma não se movem.  Estão desfrutando da aragem do poder.

São outros os que podem fazer o caldeirão entornar. Os inocentes úteis que acreditaram em dias melhores e em moralização, os que  perderam o emprego na era Temer, os perderão os direitos e garantias com as reformas em marcha,  os que estão sentindo na pele os efeitos da derrocada.  Foi dirigida a estes a ameaça que Padilha fez nesta quinta-feira. Se protestarem, porrete.

O Espírito Santo de hoje é o Brasil de amanhã

R7.com  – Publicado em 08/02/2017 às 10:07

Blog Andre Forastieri

O Espírito Santo fez o dever de casa. O governador Paulo Hartung saneou o Estado. Equilibrou as contas públicas. É exemplo a ser seguido pelos outros Estados. No ano passado esse era o discurso dos jornalistas, dos economistas, dos experts. Silenciaram nos últimos dias. Silenciaram também 87 pessoas, assassinadas desde a última sexta-feira.

A violência no Espírito Santo está diretamente ligada aos planos de austeridade impostos pelo governo estadual nos últimos anos. Como o crescimento da violência no Brasil – e do desemprego e do desespero – está diretamente ligada aos planos de austeridade impostos pelo governo federal desde 2014. Quando os arrochos nacional e local se somam, as vítimas se multiplicam.

O que os 10.300 policiais militares do Espírito Santo querem? É a PM com o mais baixo piso salarial do país, R$ 2460,00. A média do Brasil é R$ 3980,00. Eles não têm aumento há sete anos, e há três anos o governo estadual nem repõe as perdas da inflação. Os PMs também reivindicam a renovação da frota de veículos, a melhora das condições do hospital da polícia, e a compra de coletes à prova de bala, que estariam em falta.

É fácil de argumentar que não devia existir Polícia Militar, só civil. Mas vamos deixar isso para lá no momento, e reconhecer que o que os PMs do Espírito Santo pedem não é muito. É muito pouco: salário mais próximo da média nacional e condições mínimas para fazer seu trabalho, que é bem perigoso.

Em vez de negociar com a polícia militar, o governador pediu ao governo tropas do exército. Chegaram lá e tomaram tiros dos bandidos. Vitória segue paralisada, comércio e escolas fechadas, ônibus não circulam. Os turistas fogem das praias capixabas. Os corpos se acumulam no departamento médico legal, que não dá conta de tanta morte. A Polícia Civil está avaliando se adere à greve. E as esposas dos PMs seguem protestando nas portas dos quartéis.

Qual a proposta concreta do governo do Espírito Santo para a PM? Nenhuma. A questão é que se o governador cede aos PMs, terá que ceder aos policiais civis. E depois ao resto do funcionalismo.

O governador Paulo Hartung, do PMDB, começou essa política de arrocho já em 2015. Mesmo tendo os custos com funcionalismo bem abaixo do limite da Lei de Responsabilidade Fiscal. Naturalmente não faltou dinheiro para outras atividades do governo – desonerações a grandes empresas, obras eleitoreiras etc. Foi louvado, e até considerado um bom candidato à presidência da República.

Tem outra questão. Se o governo começa a ceder às demandas dos funcionários do Estado, daqui a pouco vai ter que ceder às demandas da população que é atendida pelo Estado. Do povão em geral, que precisa de giz na sala de aula e merenda no intervalo, vaga e leito no hospital, paz para ir e voltar do trabalho, e outras coisas simples assim. E isso é exatamente o que os administradores do país, dos estados e das cidades se recusam a nos dar. Não que nada disso seria “dado”, porque que a gente já paga bem caro por isso tudo.

Nos últimos tempos ouvimos muito o argumento de que “o Brasil está quebrado” – o país, os estados, as cidades – o que exigiria medidas duras. “Herança Maldita” que exige cortar na carne, no osso. Nos salários, aposentadorias, direitos.

Na verdade, a conta é outra. O Brasil não está quebrado. O que o Brasil não pode mais se permitir é ter 99% dos brasileiros pagando muitos impostos, e o 1% dos brasileiros mais ricos pagando quase nada de impostos. Nossos milionários pagam pouco imposto de renda como pessoa física, pagam pouco imposto de herança, e como pessoa jurídica pagam também pouquíssimo imposto. Além disso as grandes empresas têm toda espécie de benefícios do Tesouro Nacional. Empréstimos de pai para filho do BNDES e BB, dívidas perdoadas, “desonerações” etc.

Ontem o Espírito Santo já contava 75 assassinatos, depois de três dias de greve da PM. Ontem o Itaú, o maior banco do Brasil, publicou o seu balanço. No ano de 2016, com a maior recessão que o país já viveu, o Itaú lucrou R$ 22 bilhões. Se esse lucro fosse taxado em 50%, ainda assim seria um belíssimo lucro. O que dá para fazer com R$ 11 bilhões? Escola, estrada, esgoto.

Esse é só um de muitos exemplos possíveis. Se o Brasil não der um presente bilionário às empresas de telecomunicações, como quer o governo, também teremos um bom dinheiro para pagar policiais, professores, enfermeiras. É a Lei Geral das Telecomunicações, que está para ser aprovada, e transfere para Oi e outras teles um valor tão grande, que nem se sabe exatamente quanto é. O governo diz que é R$ 17 bilhões, o Tribunal de Contas da União diz que é R$ 105 bilhões…

E por aí vai.

Ainda podemos botar na conta o tanto que se desvia na corrupção, que sabemos não é pouco. E o que se sonega, que sabemos que é muito. Segundo a Procuradoria da Fazenda Nacional, a sonegação de impostos no Brasil pode chegar a R$ 500 bilhões por ano. Para você comparar: o Bolsa-Família custa R$ 27 bilhões por ano.

A próxima vítima será o Rio de Janeiro. O estado está para assinar um acordo com o governo federal que inclui um pacotão de arrocho para cima dos funcionários públicos do estado, inclusive policiais. Uma das exigências do governo é a privatização da Cedae, a companhia estadual de águas e esgotos, o que será feita por Pezão, vice de Sérgio Cabral…

As políticas de “austeridade” no mundo todo deram errado e estão dando muito errado aqui também. Em 2017 o Brasil não vai crescer nada. O que o poder público nos oferece são serviços públicos cada vez piores, chegando à insanidade de termos 87 mortos em quatro dias no Espírito Santo.

Na prática, os brasileiros pobres e da classe média sustentam as benesses dos brasileiros super ricos, a mamata dos sonegadores e a sujeira da corrupção. Então falta dinheiro para cobrir as necessidades básicas da população. Se a gente parar de sustentar os ricos, o Brasil equilibra as contas rápido.

E se além disso os ricos passarem a pagar a sua parte, o Brasil rapidamente vai ser tornar… rico.

Vamos encarar a realidade: tem dinheiro de sobra para o Brasil ser um país melhor para todos. Esta é a única pauta que importa, a pauta que precisamos impôr a cada dia, e também a cada nova eleição. Basta cobrar mais imposto de quem pode pagar mais, o que nunca aconteceu. Bater forte na sonegação e nos sonegadores, o que nunca aconteceu. E bater forte na corrupção e nos corruptores, o que começou a acontecer – mas só começou e agora, pelo jeito, parou.

Na prática, o que está sendo feito pelos nossos governantes, e apoiado pelos economistas, colunistas, especialistas, é o contrário do que precisa ser feito. O Espírito Santo de hoje é o Brasil de amanhã. E a próxima vítima é você.

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