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Se Lula não fizer mais, não fará nada, por Luis Felipe Miguel; A conciliação existente nos governos Lula foi rompida: setores empresariais, mídia e neopentecostais subiram o tom e apostaram numa radicalização

Se Lula não fizer mais, não fará nada, por Luis Felipe Miguel

A conciliação foi rompida pelo capital, que quer agora voltar a ampliar a vulnerabilidade social, que o beneficia. Os setores empresariais, a mídia, os empreendimentos neopentecostais: todos subiram o tom e apostaram numa radicalização de suas apostas. Não basta que o PT queira retomar o antigo trato. Afinal, quando um não quer, dois não conciliam.

Se Lula não fizer mais, não fará nada,

por Luis Felipe Miguel

Acompanho as postagens de Fernando Horta e sempre ganho ao lê-las – suas análises são sensatas, inteligentes e bem posicionadas. E admiro essas qualidades mesmo quando discordo de seus argumentos, como é o caso com o texto “Pode Lula fazer mais?”, publicado ontem, que critica às posições à esquerda do lulismo (ou mesmo na esquerda do lulismo) por esperarem que, num eventual novo mandato, o ex-presidente avance além das políticas compensatórias que implantou quando esteve no governo.

Essa esquerda, diz Horta, julga que “o chefe do executivo tem o pó de pirlimpimpim e é capaz de realizar tudo o que pensa”. Na verdade, ele continua, não é assim. Um Lula novamente eleito, em 2017 ou em 2018, defrontaria um Congresso hostil, majoritariamente conservador, e precisaria adaptar suas políticas a essa correlação de forças. A “conciliação” da qual se acusa o PT não é, assim, um ato de vontade, mas o reconhecimento do que é possível no jogo político real.

Creio que isso é um retrato apenas parcial do que foram os governos petistas e do que seria um retorno de Lula à presidência. O lulismo entendeu que seria possível uma negociação pela qual a paz social viria em troca da redução da vulnerabilidade dos mais pobres.

A presidência não tem pó de pirlimpimpim, mas tem os recursos – cargos e verbas – para agradar a maioria fisiológica do Congresso e comprar (ou melhor, alugar) sua aquiescência. Os mais pobres ficam menos pobres, os ricos continuam ganhando, a elite política continua parasitando o Estado, em suma, todos ganham. Bolsa-Família e elevação do poder de compra dos salários convivem com a remuneração astronômica do capital financeiro.

Foi isso que esteve em funcionamento a partir de 2003 e que entrou em crise no primeiro mandato de Dilma Rousseff, seja porque ela tentou mexer em alguns elementos da equação (combatendo certos esquemas de corrupção, ajustando a política econômica em prejuízo do rentismo), seja porque setores populares mostraram que queriam mais do que o lulismo lhes estava dando (como os protestos de 2013 indicaram).

O fato é que o modelo dos dois mandatos de Lula não tem mais condições de funcionar. A conciliação foi rompida pelo capital, que quer agora voltar a ampliar a vulnerabilidade social, que o beneficia. Os setores empresariais, a mídia, os empreendimentos neopentecostais: todos subiram o tom e apostaram numa radicalização de suas apostas.

Ao mesmo tempo, a velha prática da aquisição do apoio parlamentar no varejo se tornou mais arriscada, graças à Lava Jato. O deputado ou senador fisiológico terá menos incentivo para fazer negócio, porque sabe que o governo estará sob ataque; sofrerá pressões cruzadas, uma vez que seus financiadores, mídia e igrejas estarão contra; terá receio, dada a possibilidade de denúncia e punição. Não basta que o PT queira retomar o antigo trato. Afinal, quando um não quer, dois não conciliam.

Nessas condições, o que seria, então, o “grande pacto nacional” que Lula poderia propor? Se não há “reversão de forças”? Tudo indica para uma versão aviltada do acerto anterior, em que a ambição, agora, seria minimizar os danos dos retrocessos impostos a partir do golpe, com serviços públicos ainda mais subfinanciados (graças à PEC 241/PEC 55), relações de trabalho ainda mais precarizadas, economia ainda mais desnacionalizada. Isto até que as classes dominantes julguem que está demais e promovam uma nova virada de mesa.

Não há mágica, não há pó de pirlimpimpim. Há correlação de forças. Mas ela não se dá só dentro das instituições formais. Há certa contradição numa visão que compreende isso ao olhar para os dominantes – que exercem permanentemente seu poder de pressão à margem dos três poderes, logo obriga a ter cautela quando se mexe com eles – mas julga que o campo popular se expressa é por meio do voto.

Sim, qualquer presidente progressista ou mesmo centrista que se eleja enfrentará um Congresso conservador (assim como mídia, judiciário, polícia). O avanço de suas políticas precisará contar com mobilização popular, com a população nas ruas. É aqui que Lula precisará fazer mais. Melhor: precisará inverter a chave. O lulismo promoveu a desmobilização, como prova de seriedade de suas intenções conciliatórias. Isso parou de funcionar. Nas atuais condições, qualquer vitória dependerá da pressão das ruas ser maior do que a pressão das classes dominantes, independentemente de quem esteja no Palácio do Planalto.

Não creio que a esquerda brasileira possa dispensar uma figura como Lula, pelo que simboliza e pelo enorme apelo popular que possui. Mas o programa da esquerda não pode ser “Lula presidente”. Tem que ser a revogação dos retrocessos e o retorno do compromisso com a construção de um país mais justo. Para isso, tem que ir além das políticas compensatórias e avançar na direção de mudanças estruturais. O que falta, na candidatura de Lula tal como posta hoje, é um compromisso claro com essa pauta. Defendê-la não é irrealismo. O irrealismo é julgar que o relógio volta para trás e uma vitória eleitoral fará reaparecer, num passe de mágica, as condições para retomar a conciliação interrompida.