Xadrez do cerco financeiro imposto a Minas Gerais
O governo Fernando Pimentel vem enfrentando as três pragas do Egito.
A primeira, a herança recebida do governo Anastasia de um rombo de R$ 8 bilhões nas finanças estaduais. A segunda, os efeitos da crise política nacional, que levou à crise econômica e a uma queda generalizada nas receitas fiscais. O terceiro, o boicote do governo Temer, concretizado em três ações sistemáticas contra o Estado de Minas.
Peça 1 – O déficit herdado e a contabilidade criativa
De 1995, a Lei Camata estabeleceu teto de 60% para gastos com pessoal, em relação à Receita Corrente Líquida. Depois, gradativamente foram sendo criados outros limites que acabaram consubstanciados na Lei de Responsabilidade Fiscal, do ano 2.000.
A partir daí, ganhou fôlego a chamada “contabilidade criativa”, que consiste em adiamento de despesas liquidadas, sua transferência para a conta “Restos a Pagar”. Trata-se de uma prática quase generalizada.
Mas, no caso de Minas Gerais, a “contabilidade criativa” extrapolou. O trabalho “Contabilidade Criativa: como chegar ao paraíso cometendo pecados contábeis – o caso do governo do Estado de Minas Gerais”, de Fabrício Augusto de Oliveira, Doutor em economia pela UNICAMP e coordenador do Centro de Estudos de Conjuntura Econômica do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) – identificou as seguintes jogadas.
- Inflando o cálculo da Receita Corrente Líquida (RCL).
A RCL é base de toda a Lei de Responsabilidade Fiscal, utilizado como parâmetro para cálculos dos principais indicadores, como gasto com pessoal e nível de endividamento.
Segundo a LRF, o cálculo da RCL deve ser feito somando-se as receitas arrecadadas no mês em referência e nos onze anteriores, considerando-se algumas deduções e excluindo-se as duplicidades.
Entre 2003 e 2007, o governo de Minas deixou de deduzir da RCL vários itens, como contribuição patronal para a previdência social, para a saúde, contribuição do servidor para a saúde etc. Com isso inflou em 6 a 10% a RCL, em relação àquela calculada pelo Tribunal de Contas do Estado.
Essa melhoria do numerador, ajudou a inflar os resultados do “choque fiscal” e, com esse artifício, a voltar mais cedo para o mercado de crédito.
- Manipulando os dados da saúde.
Pela Emenda Constitucional no. 29, de 29/05/1950, há percentual mínimo de 12% da RCL para financiamento da saúde. Os dados oficiais indicavam mais que 12% do orçamento em saúde. As estatísticas do SIOPS (Sistema de Informações sobre Orçamento Público em Saúde), vinculado ao Ministério da Saúde, indicavam quase metade da meta.
O que o governo mineiro fez foi aproveitar a não regulamentação das despesas para incluir gastos com “Polícia Militar de Minas Gerais, Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, Secretaria do Estado de Defesa Social, IPSEMG, Fundação Estadual de Meio Ambiente, Instituto da Previdência dos Servidores Militares do Estado de Minas Gerais, Fundo de Apoio Habitacional da Assembleia Legislativa (FUNDHAB)”.
- Com o espaço contábil conquistado, o estado passou a recorrer a operações de crédito. E passou a considerar as operações de crédito como receita operacional.
Com isso, conseguiu disfarçar déficits orçamentários em quase todo o período, agravando nos dois últimos anos.
Confira: em 2009 o estado apresentou um resultado orçamentário de R$ 566 milhões. Só que as operações de crédito foram de R$ 1,5 bilhão. Com a conta correta, se teve um déficit de R$ 1 bilhão.
- No apagar das luzes, foi apresentado uma previsão orçamentária manipulada, inflando a receita patrimonial com previsão de dividendos da Cemig da ordem de R$ 4,8 bilhões, contra uma média de R$ 2 bilhões dos anos anteriores. As reestimativas indicaram um déficit da ordem de R$ 7,3 bilhões. Só os reajustes concedidos no último ano do governo Anastasia impactaram a folha em R$ 2,7 bilhões.
Além disso, na renegociação das dívidas dos Estados com a União, permitiu-se retirar da execução orçamentária a parcela de juros não pagas no exercício, o que disfarçou ainda mais os déficits.
A maneira encontrada pelo pesquisador para analisar os déficits reais foi através do cálculo da DLC (Dívida Líquida Consolidada). E ela saltou de R$ 30,5 bilhões em 2002 para R$ 60,5 bilhões em 2010.
Peça 2 – os três golpes de Temer
O golpe no acordo fiscal
A União propôs um acordo der alívio fiscal aos Estados. Uma das condições era o Estado abrir mão das ações em que questionava suas dívidas. Minas Gerais seguiu o combinado. Mas não concordou com as demais imposições: aumento do percentual de contribuição ao sistema previdenciário – além de demissões, proibição de novas contratações e venda de empresas públicas, como a própria Cemig.
Assim que desistiu das ações, em lugar de alívio, Minas foi alvo de uma ação visando bloquear R$ 6 bilhões de parcelas suspensas da dívida, e sequestrando R$ 122 milhões.
A armadilha foi desfeita por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), que determinou a liberação dos recursos.
Se não fosse a ação rápida do governador Fernando Pimentel, mobilizando seus deputados e a Advocacia Geral, para que recorresse ao Supremo, a medida teria espalhado o caos pelo Estado.
A Lei Kandir
O segundo evento foi referente à Lei Kandir – pela qual os estados seriam indenizados das isenções fiscais às exportações de produtos primários. As isenções afetaram os dois maiores produtos do Estado, minério de ferro e café, que respondem por metade do PIB mineiro.
Os impactos da Lei Kandir se refletiram também sobre os municípios, já que 25% seriam destinados ao Fundo de Participação dos Municípios.
Pimentel tentou várias vezes um encontro de contas com a União.
A dívida do Estado com a União está em torno de R$ 88 bilhões. As perdas impostas que Lei Kandir chegam a R$ 135 bilhões, segundo cálculos do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária). A proposta de Minas era zerar a dívida com a União, abrindo mão do excedente. Apesar do STF ter reconhecido a necessidade de reposição das perdas, decorrentes da Lei Kandir, a União não quis conversa.
As perdas do Estado não se restringiram à perda de arrecadação. Segundo o advogado-geral do Estado, Onofre Alves Batista Júnior, o desmantelamento da política industrial existente e a desindustrialização ocorrida agravaram ainda mais os problemas.
Os leilões de hidrelétricas
O terceiro episódio foram os leilões das hidrelétricas.
Os contratos de concessão das usinas, assinados pelo Governo Federal em 1997 permitiam à Cemig explorar Jaguará, Miranda, São Simão e Volta Grande por 20 anos e previam a renovação automática por mais 20 anos, ou seja, até 2037.
No entanto, as usinas foram incluídas entre as concessões de geração de energia elétrica que estariam sujeitas às regras da Medida Provisória 579.
A Cemig buscou uma solução negociada para o litígio judicial e chegou a oferecer R$ 11 bilhões para poder continuar operando as usinas. Mais de 500 prefeituras e 20 associações de municípios participaram da Frente Mineira em Defesa da Cemig, lançada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Uma carta chegou a ser enviada ao presidente Temer.
Em 27 de setembro de 2017 o governo federal vendeu as usinas por R$ 12,1 bilhões para empresas estrangeiras – chineses à frente.
“Eles fizeram todas as articulações, usaram todas as artimanhas, forjaram todas as justificativas, interpretaram leis, regulamentações e contratos a seu bel prazer com um único intuito: tirar da Cemig a concessão das maiores usinas hidrelétricas que nossa empresa”, disse, na época, o presidente da Cemig, Bernardo Alvarenga.
Peça 3 – administrando a escassez
Apesar de folha atrasada, o Estado tem logrado alguns avanços na saúde e na educação. Mas, assim como a maioria dos demais estados, não se sairá desse imbróglio sem um grande acordo federativo, um encontro de contas que permita um respiro no pagamento das dívidas federalizadas.