Desocupados somam 12,1 milhões e recurso líquido da poupança tem redução de R$ 40,7 bi
Juliana Gontijo
Você tem se sentido mais pobre? Não consegue o mesmo padrão de vida de alguns anos atrás? Saiba que não está sozinho. O poder de compra da população brasileira caiu 9,1% no intervalo de 2015 ao primeiro semestre do ano passado. Foi o menor patamar desde 2011, conforme levantamento do economista João Morais, da Tendências Consultoria Integrada. A situação se agravou no segundo semestre, segundo o especialista, mas os indicadores ainda não estão fechados.
O cálculo, que leva em conta a renda do mercado de trabalho, a renda da Previdência, o crédito, os juros e a inflação, mostra que população está sem condições de aumentar o consumo e de economizar. Tanto que os brasileiros reduziram em R$ 40,701 bilhões os recursos líquidos da caderneta de poupança em 2016. “O principal limitador do poder de compra das famílias brasileiras foi o mercado de trabalho”.
Para os especialistas, além do desemprego em alta, o empobrecimento dos brasileiros foi influenciado pela queda no rendimento médio. As pessoas desocupadas no país somam 12,1 milhões no trimestre encerrado em novembro do ano passado, conforme levantamento o IBGE. E a renda real – descontada a inflação – caiu nos últimos dois anos.
O recuo começou em 2015, com retração de 5% na comparação com o ano anterior. Foi a primeira redução da renda média em 11 anos, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), também do IBGE. A renda passou de R$ 1.950 em 2014 para R$ 1.853 no ano seguinte. Se considerarmos a renda das famílias, o recuo em 2015 foi ainda maior: 7,5%.
E em 2016, no terceiro trimestre, o rendimento médio real foi 2,1% inferior ao verificado em igual período de 2015. O diretor-geral do instituto de pesquisa Data Popular, Dorival Mata-Machado, afirma que o poder de compra da classe média está menor. O que, segundo ele, pode ser verificado, por exemplo, pela redução de alunos em escolas da rede privada, além do corte de vários serviços no orçamento, como o de cabeleireiro. “As idas ao salão foram reduzidas. Muita gente passou a fazer em casa o que fazia no salão, o que demonstra que o volume de dinheiro extra para o consumo reduziu”, observa.
Para o economista e diretor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Social, Marcelo Neri, os anos de 2015 e 2016 foram de empobrecimento generalizado para os brasileiros, em especial os mais pobres, o que pode ser constatado pela redução da renda. “O bolo diminuiu e o pedaço dos mais pobre ficou ainda menor”, observa.
Neri observa que o país foi perdendo, nos dois últimos anos, um dos símbolos da nova classe média, também chamada de classe C, que é a Carteira de Trabalho assinada. Em 2016, segundo dados do Ministério do Trabalho, o país fechou 1,32 milhão de empregos formais.
A taxa média do desemprego em 2015, conforme o IBGE, ficou em 8,5%, índice superior ao verificado em 2014 – 6,8%. A taxa de desemprego de 11,9% verificada no terceiro trimestre de 2016 é mais elevada já registrada da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), iniciada em 2012.
Ainda de acordo com o economista da FGV, famílias com renda entre R$ 2.500 a R$ 10.777, considerando valores de setembro de 2016, podem ser classificadas como a nova classe média ou classe C. Já para o diretor do Data Popular, a classe média brasileira não teve alteração significativa em quantidade de pessoas nos últimos quatro anos. “Ficou praticamente estável”, garante ele. Mata-Machado argumenta que para ter impacto no contingente de pessoas em uma determinada classe social, a mesma condição econômica deve se manter em um espaço de tempo maior.
Inflação
Demanda cai e causa um efeito cascata
A redução da renda do brasileiro verificada pelos institutos de pesquisa é confirmada no dia a dia de trabalho da cabeleireira Sheyla Machado. “O número de clientes caiu em 2016 na comparação com 2015. Isso é bem visível, em especial, em dezembro, época que era movimentada por causa das festas de fim de ano. Assim, o meu rendimento acabou caindo”, diz.
Além da renda menor, impactou no orçamento da família de Sheyla a inflação, que teve alta de 6,29% em 2016. No ano anterior, a taxa teve variação de 10,67%. “É fato que tudo está mais caro. Em 2015, minhas compras de supermercado ficavam na casa dos R$ 500. Com esse mesmo valor, eu não fazia as mesmas compras em 2016, que passaram a custar de R$ 800 a R$ 900”, conta.
Para ela, a crise na economia e o aumento do desemprego foram alguns dos motivos que afugentaram as clientes do salão. “Não sei se é pelo fato de que mais começou a falar da crise, mas tive a sensação de que 2016 foi pior que 2015”, diz. (JG)
Reajustes abaixo da inflação
Crise reduz poder de negociação das categorias de trabalhadores, e bolso não tem alívio
Embora a inflação oficial do país medida em 2016 pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE tenha tido variação de 6,29%, percentual inferior ao verificado em 2015 (10,67%), e ficado abaixo do teto da meta do governo (6,5%), o bolso do brasileiro não teve alívio. E um dos motivos foi o reajuste salarial com índice inferior ao da inflação, registrado por muitas categorias, destaca o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos em Minas Gerais (Dieese-MG), Fernando Duca.
Os últimos dados da entidade, referentes ao primeiro semestre de 2016, mostram que 76% das negociações coletivas no país não obtiveram reajustes acima da inflação, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do IBGE. Do total, 39% tiveram aumento abaixo do índice; 37% conseguiram recompor as perdas; e 24% tiveram reajustes acima da inflação na data-base.
Paralelamente, conforme o levantamento do Dieese, houve crescimento no número de reajustes de categorias parcelados e escalonados. “A crise acaba reduzindo o poder de barganha do trabalhador nas negociações salariais”, observa o economista.
Levantamento da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), com base nos dados do Ministério do Trabalho, confirma o movimento de negociações salariais abaixo da inflação. Mais da metade das negociações coletivas com vigência em agosto de 2016 não conseguiram sequer a inflação. Das 162 analisadas pela fundação, 17 não conseguiram repor a inflação e ainda levaram à redução de salário e de jornada.
Os programas de lay-off, que contemplam cortes de salário e da jornada, aconteceram com mais intensidade em 2015 e 2016, com destaque para as montadoras de automóveis.
Para o economista do Dieese-MG, é fato que o brasileiro está empobrecido. Além dos reajustes salariais abaixo da inflação, o que corrói a renda, Duca ressalta o aumento do desemprego formal dentre diversos outros fatores. “Além do salário fixo todo mês, a pessoa deixa de contar com outros benefícios oferecidos pelas empresas, entre eles, plano de saúde”, observa.
Segundo o levantamento mais recente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), os planos de saúde registraram queda de 3,1% no número de usuários entre setembro de 2015 e setembro de 2016, o que representou a perda de 1,5 milhão de beneficiários no país.
Fernando Duca lembra que, com menos postos de trabalho, as pessoas são levadas para a informalidade. “E nesse caso, nem reajuste há”, frisa o economista.
Na mesa
Corte de gasto para contornar a crise
Com a crise, a vida da família da hoje dona de casa Waldete Saldanha mudou. “Em 2015, eu perdi o emprego de auxiliar de berçário de uma escola infantil, que teve redução de alunos. Assim, eles não precisavam mais do meu trabalho”, diz.
Waldete conta que a renda da família ficou menor e ela teve que se adaptar ao novo cenário da economia. “Reduzi as compras de alguns produtos, como o queijo canastra, que subiu muito, de R$14,90 para R$ 29,90”, ressalta. “Sou aposentada, ganho um salário. Assim, precisava trabalhar para complementar a renda”, frisa.
Com menos renda e com a inflação em alta, a dona de casa conta que a vida ficou pior nos dois últimos anos, em especial, em 2016.
E a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) do IBGE não é nada animadora. O levantamento mostra que no intervalo de setembro a novembro de 2016, frente a igual período do ano anterior, houve queda de 3,7% no emprego com carteira de trabalho no setor privado, o que representou diminuição de 1,3 milhão de pessoas no mercado. (JG)
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