“Esta nova pesquisa comprova o êxito das políticas de democratização de oportunidades, especialmente, se considerarmos que o desempenho dos alunos do ProUni, que é um programa com uma série de mecanismos de controle, chega a ser superior ao desempenho dos demais alunos”, disse Mercadante.
22 de Fevereiro de 2017 às 14:27 // Receba o 247 no Telegram
247 – Recente pesquisa, que analisou o desempenho de mais de 1 milhão de alunos no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) entre 2012 e 2014, concluiu que a qualificação dos formandos que tiveram acesso ao ensino superior em razão das políticas de inclusão social equivale ou até supera a dos demais alunos.
O estudo (leia aqui) foi desenvolvido por Jacques Wainer, professor titular do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas, e Tatiana Melguizo, professora associada da Rossier School of Education da University of Southern California.
Para comentar os resultados da pesquisa e avaliar o impacto das políticas de inclusão social de acesso ao ensino superior dos governos Lula e Dilma, ProUni Fies e cotas (raciais e sociais), o 247 faz uma entrevista exclusiva com ex-ministro da Educação, Aloizio Mercadante.
247 – Como você avalia o impacto de políticas como ProUni, Fies e Cotas no ensino superior do Brasil?
Mercadante: São políticas fundamentais para avançarmos no resgate de um passado de exclusão social na educação. A educação brasileira é retardatária, resultado de um capitalismo tardio, marcado por quase quatro séculos de escravidão e por um passado colonial, que deixaram cicatrizes profundas nossa história.
A Universidade de Bolonha foi fundada em 1088, a de Paris 1170, a de Cambridge em 1290, a de Salamanca em 1218, a de Coimbra em 1290 e nas Américas, Harvard em 1636. No século XIX, havia 35 universidades na região. No Brasil, a primeira universidade data de 1920, quando praticamente todos os países da América Latina já possuíam uma ou mais universidades.
Cerca de 75% da população brasileira, em 1930, era de analfabetos. Há pouco tempo, em 1996, apenas 6% da população jovem, entre 18 e 29 anos, cursava o ensino superior no Brasil.
247 – E como foi possível enfrentar esse déficit na educação?
Mercadante: O governo Lula assume o país, em 2003, com uma forte demanda reprimida por acesso ao ensino superior. Outra questão que se colocava era a concentração de ofertas de vagas de graduação nas capitais e nas grandes cidades das regiões Sul e Sudeste do país, o que aprofundava a exclusão histórica dos jovens pobres do interior no ensino superior.
Para se ter uma ideia do tamanho da demanda por acesso à educação superior no Brasil, temos 16,8 milhões de jovens, entre 18 e 29 anos, que concluíram o ensino médio e não conseguiram cursar uma faculdade. Além disso, soma-se a este número mais 2,2 milhões de estudantes que concluem o ensino médio todos os anos.
Dados do Censo da Educação Superior, divulgados no ano passado, constatam que a taxa de escolarização líquida na faixa etária de 18 a 24 anos, em 2014 alcançou 21,2% .Esse cenário indica que há um crescimento continuado destas taxas ao longo dos últimos dez anos.
Para enfrentar este cenário, os governos Lula e Dilma desenvolveram um conjunto de políticas articuladas, complementares e convergentes para impulsionar o acesso, a permanência e a qualidade do ensino superior.
247 – A qual conjunto de políticas você se refere? Foram de fato implementadas?
Mercadante: Primeiro, o Enem se consolidou como o grande caminho de oportunidades de acesso ao ensino superior no país. Com mais 9 milhões de inscritos, mostramos que, com vontade política, é possível inverter uma lógica perversa, na qual apenas os mais ricos podiam fazer vários vestibulares no ano. Com o Enem, a disputa pelo acesso ao ensino superior passou a ser republicana e democrática. Um direito de todos e o fim da indústria dos vestibulares.
Para auxiliar na preparação daquelas que não tem condições de frequentar um cursinho preparatório para o Enem, tornamos a disputa pelas vagas mais justa do ponto de vista social com a criação da Hora do Enem. Uma experiência de sucesso que gerou uma alternativa concreta de preparação para o exame, envolvendo simulados, diagnósticos e planos de estudos.
O programa criou uma rede de TVs públicas e educativas que todo dia discute questões relevantes para o Enem e oferece uma plataforma de ensino com 1.220 vídeo aulas e exercícios, aumentando de 500 mil para mais de 8 milhões os acessos na plataforma da TV Escola. E este programa foi totalmente custeado e concebido em parceria com o sistema Sesi -Senai, praticamente sem custos para o Governo Federal.
Aprovamos, também, a Lei de Cotas assegurando que metade das vagas nas universidades e institutos federais fossem para os estudantes de escolas públicas, que respondem por 86% das matriculas do ensino médio. Um acesso preferencial, para os estudantes de baixa renda, negros e indígenas, historicamente excluídos. Além disso, temos o ProUni: uma política de bolsas com incentivos fiscais que já beneficiou 1,6 milhão de estudantes.
Mas a política de maior alcance e impacto social é, sem dúvidas, o Fies. São bolsas reembolsáveis, com um financiamento subsidiado que já concedeu 2,3 milhões de financiamentos.
Percebemos a dimensão social do Fies, quando constatamos que 96,8% dos estudantes são de família com renda per capita de até três salários mínimos e 54,14% de até um salário mínimo.
Outro esforço importante foi o Reuni, que aumentou a oferta de educação superior pública, com redução das assimetrias regionais. Criamos 18 universidades, sendo duas no Norte, seis no Nordeste, cinco no Sul, quatro no Sudeste e uma na região Centro-Oeste. Implementamos, ainda, 179 novos campi universitários, atendendo a 176 novos municípios. O Nordeste, com 90 campi, foi a região mais beneficiada.
O resultado foi um salto significativo no total de matrículas na educação superior. Antes dos governos Lula e Dilma, eram 3,4 milhões de alunos cursando a educação superior no Brasil. Depois de Lula e Dilma, são mais de 8,1 milhões.
Para os alunos que não conseguiram acesso ao ensino superior, criamos o Pronatec, um programa de educação técnica e profissionalizante, em parceiria com o sistema S, que já atendeu 9,4 milhões de aluno.
Apesar todo este esforço, cerca de dois terços dos inscritos no Enem não conseguem entrar em cursos de universidades públicas ou privadas e não é por falta de vagas, é falta de renda.
247 – E o que representa o resultado deste estudo desenvolvido pelos professores Jacques Wainer e Tatiana Melguizo?
Mercadante: Já havia pesquisas da UFBA, UnB e UFRN no mesmo sentido, ou seja, comprovando que o desempenho dos alunos que ingressaram no ensino superior por meio das políticas sociais é semelhante ao dos outros alunos. Esta nova pesquisa, mais extensa que as demais, comprova o êxito das políticas de democratização de oportunidades, especialmente, se considerarmos que o desempenho dos alunos do ProUni, que é um programa com uma série de mecanismos de controle, chega a ser superior ao desempenho dos demais alunos.
Os resultados desta pesquisa, que analisa o desempenho de mais de 1 milhão de alunos que concluíram seus cursos e participaram do Enade, entre 2012 e 2014, enterram de uma vez por todas o preconceito histórico em torno dos alunos beneficiados pelas cotas, pelo ProUni e pelo Fies.
247 – E qual balanço que você faz das políticas de acesso ao ensino superior depois dos 13 anos de governo do PT?
Mercadante: Na última PNAD-IBGE, no quintil de renda dos mais ricos, 37,3% são diplomados em curso superior, enquanto apenas 1,3% no quintil mais pobre. Herdamos um grande atraso educacional e uma brutal exclusão, especialmente no ensino superior. O Enem, as cotas, o ProUni e o Fies estão sendo decisivos para reverter este quadro inaceitável.
Essas políticas estão contribuindo de forma efetiva para democratizar as oportunidades na educação, superando este abismo histórico, gerando mais coesão social e mais cidadania. Do ponto de vista econômico, tem contribuído para gerar mais eficiência, mais produtividade e mais competitividade.
O mais importante é que estão transformando a vida das pessoas, especialmente dos mais pobres e dos historicamente excluídos. Em 2015, por exemplo, nada menos que 35% dos alunos concluintes da educação superior que fizeram o Enade foram os primeiros membros da família a terem um diploma de curso superior.
Essas políticas precisam ser mantidas, ampliadas e aprimoradas. Não podemos permitir retrocessos. O Golpe praticamente acabou com Pronatec e com o Ciência Sem Fronteiras. Também restringiu o Fies e o cenário econômico recessivo, que aumenta a inadimplência estudantil e reduz a arrecadação fiscal das instituições privadas de ensino superior, deve impactar na redução de bolsas do ProUni.
Paralisaram a expansão das universidades e institutos federais e há claras manifestações dos que sempre foram contra as cotas, o ProUni e o Reuni no sentido de esvaziar o Enem. Esse atraso no edital do Enem e as mudanças no processo podem fechar as portas do caminho de oportunidades que nós abrimos.
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