Cultura da estabilidade gera prejuízos para gestores em MG
Em tempos de crise, prefeitos reclamam das dificuldades para demitir servidores ineficientes
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Independentemente do porte, o maior gasto no Orçamento de qualquer prefeitura ou Estado é com pessoal. Prefeitos se dizem em uma camisa de força, já que a maioria dos funcionários é de concursados, e a margem para cortes é pequena. As dificuldades de acertar as contas diante de uma receita cada dia mais enxuta, levanta o debate da cultura da eterna estabilidade. Estudiosos ressaltam a importância dos concursos para garantir a isonomia, ponderam que essas pessoas podem ser demitidas, mas, na prática, os gestores reconhecem que desligar um concursado, mesmo que ele não seja produtivo, é tarefa difícil.
Diante da queda da arrecadação, prefeitos e governadores se veem pressionados pelo limite da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Pela norma, Estados e municípios podem gastar até 60% da receita corrente líquida com pessoal. Próximo de atingir a meta, algumas restrições começam a ser adotadas, como limites para contratações, nomeações e empréstimos.
“É complexo. Mesmo se eu não contratar ninguém, como a receita cai, o percentual de gastos com pessoal sobe sozinho. O peso da folha joga o prefeito em uma situação de ilegalidade”, explica Antônio Andrada (PSB), presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM) e que deixou o comando da cidade de Barbacena em dezembro.
Para Andrada, diante do quadro de crise, três saídas seriam possíveis. “Aumentar a receita, o que não depende só do município; acabar com estabilidade, o que não há debate para isso; e o que vejo como necessário, que é flexibilizar a LRF e a estabilidade em alguns casos”, diz ele. O político avalia que deveria se ter uma tolerância legal com os prefeitos que provassem que não foram os causadores do problema. “O que defendemos é que seja considerado o percentual da queda da receita”, afirma.
Sem dinheiro em caixa, nem perspectiva de uma mudança rápida na legislação, alguns gestores mineiros apertam o cerco em relação aos concursados que não têm o desempenho esperado. Eles acreditam que a mudança de postura pode desmitificar a cultura de que concursados não podem ser demitidos, além, claro, de melhorar a prestação de serviços. O processo de desligamento sem um caso concreto de corrupção pode ser longo e burocrático, mas é necessário, avaliam os prefeitos.
Em Pirajuba, no Triângulo, Rui Ramos (PP) abriu processo administrativo contra quatro concursados que, segundo ele, não comparecem à prefeitura. “Concluir a demissão não é fácil, principalmente, no interior. Tenho que ter três superiores ao funcionário na comissão processante, mas ninguém quer integrar o grupo. A cidade é pequena. A maioria é parente, amigo. É uma situação chata, mas preciso ir adiante. Eles ocupam o cargo de outros que poderiam estar produzindo”, diz Ramos. Segundo ele, a reação é imediata: “Alguns vão ao Ministério Público e dizem que é perseguição”. A cidade com Orçamento de R$ 24 milhões anuais tem 450 funcionários, incluindo os terceirizados.
O prefeito de Ponto Chique, José Geraldo (PSB), conhecido como Zé Boy, conta que só neste ano, na cidade do Norte de Minas, nove concursados de diversas pastas, inclusive a da saúde, respondem a processos administrativos. Os casos estão prontos para irem para a Justiça. “Muitos têm essa cultura de que nem precisam trabalhar. Tenho uma funcionária que ganha um salário mínimo e, neste mês, recebeu R$ 135, por causa das faltas. A pessoa me disse que simplesmente não quis vir”, diz Geraldo.
Recomendação
Conflito. O prefeito Rui Ramos diz que a recomendação do TCE costuma ser de não lançar concursos diante do engessamento do gasto com pessoal. “Mas o MP nos pressiona pelo concurso”.
Processos administrativos
Regras são semelhantes às da justa causa no serviço privado
FOTO: João Lêus – 31.5.2016 |
Advogado Leonardo Militão critica cultura de acomodação |
Ao contrário do que parte da população imagina, os concursados não estão imunes da demissão. A estabilidade pode ser questionada em processos administrativos, o que não requer um caso flagrante de corrupção, ou mesmo em crise financeiras em que se comprove que não há mais de onde cortar gastos para manter serviços básicos.
Economista e professor da Universidade Federal de Brasília, Roberto Piscitelli concorda com a reclamação dos prefeitos em relação à rigidez da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que, por vezes, tira a autonomia do Executivo. Mas cobra que, no mandato, os administradores também precisam ter uma postura mais profissional para que o problema não se agrave.
“A ideia da estabilidade é que ela proporcione a independência funcional, para que as pessoas não se submetam ao governo de plantão. O concurso é o melhor caminho, não há dúvida. Mas os gestores precisam mudar a postura. Sem contar que, muitas vezes, os funcionários são comandados por figuras partidárias, e lhes falta autoridade política para ditar um comportamento moral”, avalia o economista.
Leonardo Militão, presidente da comissão de direito municipal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) endossa: “A mudança da cultura de certa acomodação passa por valorização do profissional, por regras claras de desempenho. As administrações, em geral, abrem poucos processos administrativos e precisam conduzi-los bem. As motivações de justa causa são as mesmas da iniciativa privada. Se a pessoa sai do local de trabalho, se faz serviços particulares no trabalho, se não tem lealdade com o órgão público”.
No Norte de Minas, em Ponto Chique, José Geraldo (PSB) começou a cortar o ponto, agora registrado, de quem falta sem justificativa neste ano. Os funcionários recebem adicional por baterem metas em determinas áreas. “Em alguns casos, não é o suficiente para estimular. Ao mesmo tempo que tem gente que não ajuda a cidade, neste ano já recebi 14 cartas para nomear concursados que poderiam contribuir”, afirma.
Ponto Chique gasta 60% da receita com os 335 concursados e sete comissionados. (TT)
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