POR PAULO MOREIRA LEITE
Um dos primeiros juristas brasileiros a debater a Judicialização da Política, essa tentativa de promover mudanças nas políticas sem voto popular o jurista Luiz Moreira deu uma entrevista ao 247 sobre a chamada Lista do Fachin. Moreira foi membro do Conselho Nacional do Ministério Público por dois mandatos e é um dos principais estudiosos de Filosofia do Direito no país. Sua entrevista:
247 – Muitas pessoas dizem que as delações divulgadas com o nome de “Lista do Fachin” demonstram a falência da democracia em nosso país. O senhor concorda com isso?
LUIZ MOREIRA – A democracia brasileira promoveu a maior transformação social do Ocidente desde o milagre econômico alemão, que foi a grande mudança na história humana após a Segunda Guerra Mundial. Milhões de brasileiros foram incluídos no mercado de consumo, passaram a ter três refeições por dia; outros milhões tiveram acesso a bens culturais, ao ensino universitário, tiveram carteira assinada. Nesse sentido, é difícil aceitar que a democracia brasileira precise ser purificada.
247 – O que é preciso, então?
LUIZ MOREIRA – O que precisa de modificação é o desenho das instituições jurídicas nacionais. O Ministério Público precisa ser confrontado com seus equivalentes internacionais; a Polícia da União precisa ser redesenhada; o Judiciário precisa voltar a ser um poder contramajoritário e as normas sancionadoras devem ter tipos fechados. Portanto, não é a política que precisa de conserto, mas as instituições que compõem o sistema de justiça é que precisam de nova engenharia constitucional. Ora, somente um país que desacredita de seus cidadãos projeta ambiente de fragilização das instituições democráticas, em que o voto e as democracia produzem um resultado que deve sempre ser corrigido pelo judiciário e pelo ministério público. Esse é o paradoxo brasileiro atual: o mesmo povo que seria incapaz de governar a si mesmo, via eleições, é chamado a legitimar as intervenções arbitrárias do sistema de justiça nos poderes eleitos pelo povo.
BRASIL 247 – Como explicar o impacto da lista do Fachin?
LUIZ MOREIRA – Em ambiente de protagonismo do sistema de justiça, em que juízes e membros do ministério público, que atuam na lava jato, trocaram a liturgia de seus cargos pelo papel de celebridades, a denominada lista do Fachin é a expressão de falência da democracia constitucional brasileira. Depoimentos que deveriam ser recebidos com bastante cautela, são tratados como se fossem informações desinteressadas prestadas por cidadãos honestos, mostrando o desprezo do sistema de justiça pela presunção de inocência. A segunda questão diz respeito à exigência de as delações serem atos voluntários, praticados por pessoas que não se sentem coagidas pelo sistema de justiça, voluntariedade que não se encontra presente na prisão. Assim, a denominada lista de Fachin apenas expressa o cenário atual em que o sistema de justiça contribui para a percepção de que somos todos corruptos e que a política não é para pessoas de bem.
247 – Embora tenham surgido outros nomes, a verdade é que Lula permanece como alvo constante da Lava Jato e dos delatores. Nos depoimentos, é possível ouvir a narrativa de episódios e exposição de opiniões que nada tem a ver com uma denúncia jurídica, mas ajudam a compor um retrato político negativo. Divulgadas em ambiente de denúncia criminal, essa situação tem gerado críticas e dúvidas. Como o senhor explica isso?
LUIZ MOREIRA – As críticas ao ex-Presidente Lula são equivocadas por pretenderem substituir o direito por algum tipo de regra de etiqueta, isto é, nenhuma das condutas atribuídas a ele pela operação lava jato se caracterizam como criminosas ou são reprováveis sob o ponto de vista jurídico. No entanto, a combinação entre a midiatização das acusações e a insistência com que elas são veiculadas na mídia geram uma espécie de cansaço que pode levar as pessoas a entenderem que realmente há algo reprovável juridicamente nas condutas de Lula. Repare que não se trata de comprovação jurídica de que Lula tenha cometido algum crime, mas a permanência das acusações gera esse sentimento de que ele é culpado.
247 – Por que é perigoso abandonar o terreno da lei e adotar discursos morais ou éticos?
LUIZ MOREIRA – As sociedades modernas se caracterizam pela pluraridade e pela fragmentação. Assim, já não é possível invocar uma dimensão perante a qual as condutas sejam universalmente confrontadas. Não havendo esse “tribunal” para julgar as condutas sob o ponto de vista religioso, moral ou ético, restou ao direito disciplinar as condutas humanas. Desse modo, é o código jurídico que define quais condutas são permitidas e quais são proibidas. Por terem perdido qualquer possibilidade de universalização, julgamentos morais, religiosos ou éticos se transformaram em questões de gosto, ou seja, cada um tem o seu. Essa é a razão para que o direito assuma a definição do que é permitido e do que é proibido, porque assim as pessoas podem definir suas condutas por algo mais seguro do que o gosto das pessoas.
247 – E como é possível quebrar esse círculo viciosos entre midiatização e permanências das acusações contra Lula?
LUIZ MOREIRA – Há muito a operação Lava Jato abandonou a seara jurídica para se dedicar a uma disputa política por protagonismo na sociedade brasileira. Tanto o Ministério Público quanto o Juiz da lava jato ocupam permanentemente a imprensa e outras tribunas para convencerem os brasileiros que sua causa é a correta e que merecem o apoio da população. Agem como se estivessem disputando eleições e precisassem de votos para implementarem seus planos de governo. Evidentemente, tais condutas contrariam tudo o que o Ocidente idealizou como tarefa do sistema de justiça. Assim, a única saída de Lula é politizar sua defesa, de modo que ele deve, segundo penso, utilizar-se da cena política para demonstrar à população brasileira que é vítima de perseguição jurídica para impedir que ele, Lula, seja candidato a Presidente em 2018.
247 – Como evitar que a política democrática seja destruída pela judicialização?
LUIZ MOREIRA – Bem, após as últimas eleições presidenciais a oposição continuou no palanque, tentando subverter o resultado das urnas. Os últimos três anos foram marcados pela radicalização política, sem nenhuma possibilidade de consenso em nenhum tema politicamente relevante. Essa radicalização teve dois cumes: o impeachment sem crime de responsabilidade da Presidenta Dilma e a determinação, pelo STF, de abertura de inquéritos a partir das delações da Odebrecht. Portanto, o esgarçamento da política decorrente do não reconhecimento do resultado das eleições presidenciais de 2014 possibilitou a mais aguda crise de perspectivas para a democracia representativa brasileira desde a anistia.
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