Parente coloca em risco setores estratégicos, por Luis Nassif
Foto: Rogério Melo/PR
Não se sabe o que Pedro Parente pretende à frente da Petrobras. Todos seus atos são para desmontar e abrir mão de qualquer papel relevante, como estruturadora de investimentos no país. É de uma irresponsabilidade com o país que chama a atenção, ainda mais partindo de quem fez parte de sua carreira no setor público.
A última façanha é o anúncio da hibernação das fábricas de fertilizantes localizadas em Sergipe e na Bahia.
A Abiquim (Associação Brasileira das Indústrias Químicas) refuto de forma veemente essa colocação. “O País, sua agricultura e sua indústria, não podem ficar dependentes 100% de importações de produtos tão estratégicos. Não podemos captar toda e qualquer vulnerabilidade que o mundo tente passar para o País, especialmente no que diz respeito à agricultura. De que adianta termos a agricultura mais competitiva do mundo se não conseguimos construir uma cadeia de fornecedores locais e que agregue valor ao País”.
Abaixo, a Nota da Abiquim:
É com muita tristeza, surpresa e, também, indignação que a notícia veiculada pela Petrobras, de hibernação das fábricas de fertilizantes localizadas em Sergipe (“Fafen–SE”) e na Bahia (“Fafen-BA”), chegou ao conhecimento da ABIQUIM, na manhã de ontem, 20 de março de 2018.
Segundo dados constantes na ABIQUIM, as duas unidades de fertilizantes da Petrobras possuem capacidade de produção conjunta de 36,3 mil toneladas de ácido nítrico, quase 1 milhão de toneladas de amônia e mais de 1,1 milhão de toneladas de ureia, sem contar outros produtos derivados do próprio processo, como dióxido de carbono, sulfato de amônio e ARLA (ureia diluída, utilizada para redução das emissões de NOx nos caminhões que utilizam diesel).
Em entrevista à imprensa aberta, a Petrobras também coloca que o “País já importa 85% da demanda nacional por fertilizantes”, o que nos leva a concluir que não haveria problema de suprir totalmente o mercado com importações. A ABIQUIM refuta veementemente essa posição. O País, sua agricultura e sua indústria, não podem ficar dependentes 100% de importações de produtos tão estratégicos. Não podemos captar toda e qualquer vulnerabilidade que o mundo tente passar para o País, especialmente no que diz respeito à agricultura. De que adianta termos a agricultura mais competitiva do mundo se não conseguimos construir uma cadeia de fornecedores locais e que agregue valor ao País.
Dependência de importações deixa o país vulnerável às flutuações do câmbio e de preços, diz a nota, trazendo também risco de eventual escassez de insumos básicos. Desde sempre, a Abiquim defendia a redução da dependência das importações. O Brasil possui reservas de fósforo e potássio, matérias primas para a produção de fertilizantes fosfatados e potássicos.
Com a descoberta do pré-sal, além disso, pode ser ampliada a produção de nitrogenados. Para tanto, seria necessário investimentos em logística e resolução de impasses regulatórios, tecnológicos, tributários e ambientais.
No entanto, a proposta da ABiquim, do Programa Gás para Crescer, não mereceu apoio da Petrobras nem do governo. Aderindo, a Petrobras poderia continuar suprindo o país de produtos estratégicos, e também viabilizar o desinvestimento nas unidades de fertilizantes, há que poderia atrair potenciais compradores.
Há riscos concretos com ácido nítrico e amônia, que não são produtos facilmente transacionáveis, exigindo investimentos em infraestrutura tantos nas empresas consumidoras quanto nos portos.
Os últimos dados relativos à amônia disponíveis na ABIQUIM indicam que as importações representaram 19% da demanda interna em 2016 e foram feitas basicamente por empresa fabricante no mercado doméstico, com infraestrutura própria no porto de Santos. No que se refere ao ácido nítrico, as importações foram praticamente nulas, o que traz à tona a questão: A importação não é impossível, mas será que conseguiremos importar esses produtos, sendo que nunca o fizemos? Em que espaço de tempo? Ou será que fecharemos as unidades clientes de amônia e ácido nítrico, passando a importar os elos seguintes da cadeia?
Ainda em relação à amônia, existe alguma estrutura no Porto de Aratu, mas as empresas teriam que respeitar compras de lotes mínimos mensais, que, em alguns casos, significariam o consumo anual da companhia, o que inviabiliza essa opção. Do porto de Aratu até o local das fábricas consumidoras, em Camaçari, o transporte terá de ser feito por dutos e a vazão diária do duto é menor do que o consumo diário do polo (lembrando que a atual fábrica da FAFEN está dentro do polo, o que facilita muito essa logística). Ou seja, o polo deve receber cerca de 15% menos amônia do que a sua necessidade. Se a opção for trazer amônia de São Paulo, localização da fábrica do outro fornecedor, ou mesmo se a importação se der pelo porto de Santos, o transporte por caminhões, além de ser todo especial por razões de segurança, custaria 60% a mais do que o valor atual do produto advindo da Petrobras. Vale acrescentar que a amônia possui normas internacionais de manuseio, armazenagem e transporte muito rígidas, exatamente pela característica de periculosidade que o produto possui.
Além do atendimento à toda a cadeia de fertilizantes, muito importante destacar que o ácido nítrico e a amônia tem ampla utilização em diversas outras cadeias industriais, como produção de nylon, espumas, nitrocelulose, tintas e vernizes, explosivos, catalisadores, pigmentos orgânicos, resinas termofixas, galvanoplastia, mineração, limpeza industrial, ração de aves e suínos (aminoácidos), defensivos agrícolas, alimentício (glutamato monossódico, lisina, gás refrigerante), bebidas, metalurgia, açúcar e álcool, tratamento de água, agente redutor de NOx, couro e outros processos químicos, cujas empresas produtoras correrão sério risco de paralisação de fabricação se não for viabilizado o fornecimento da matéria-prima básica.
Além desses prejuízos, não se pode deixar de mencionar a perda de valor para os Estados da Bahia e de Sergipe com arrecadação de impostos, empregos e redução do tecido industrial dos estados. No caso do emprego, as unidades da Petrobras juntas, empregam diretamente cerca de 700 trabalhadores, que poderão ser realocados para outras unidades da Petrobras.
Mas e como ficarão os empregados indiretos da companhia e das demais empresas da cadeia que dependem de amônia, ureia e ácido nítrico? A estimativa da Abiquim é a de que para cada 100 empregos diretos nesse segmento, mais 4 sejam gerados indiretamente.
Vale lembrar que também se encontra em processo de alienação os ativos do Paraná, cuja produção está sendo mantida, e o Projeto de Três Lagoas (Mato Grosso). Por qual razão a empresa não está adotando o mesmo procedimento com as Unidades da Bahia e de Sergipe? Por que está usando critérios diferentes?
Outro ponto que vem sendo colocado por alguns analistas é o de que essas unidades são obsoletas e que deveriam mesmo ser desativadas. É lamentável um comentário desse tipo, que remete ao exemplo da planta de metanol, da GPC, no Rio de Janeiro. Em diversas ocasiões ouvimos esse tipo de comentário em relação à GPC. Mas a planta, cuja produção foi paralisada no Brasil em 2010 e após ter ficado seis anos desmontada, tenha sido transferida para os Estados Unidos e hoje produz metanol em território americano. O problema não era a obsolescência da planta, mas sim a falta de competitividade do gás.
A China, maior produtor, consumidor e exportador de ureia do mundo, não tem gás natural, utiliza carvão como matéria-prima (um processo reconhecidamente caro). No caso da Petrobras, que é produtora de gás natural associado ao óleo, cujo custo sabemos é mínimo, como a empresa consegue registrar um prejuízo tão elevado? Na Lei do gás, de 2009, a empresa obteve o direito de praticar custo de transferência para as unidades de fertilizantes de sua propriedade. Esse prejuízo está sendo calculado com a suposição de que a Petrobras estaria comprando gás no mercado? Podemos pensar, então, nas seguintes hipóteses: gestão inadequada dos custos, o que com certeza não condiz com a realidade; preço de transferência da matéria-prima intolerável; e previsão de produção insuficiente de Gás Natural, contrariamente ao que o Governo anuncia.
A Petrobras alega também que o cenário indica resultados negativos para os próximos 12 anos. Será que a Petrobras não acredita nas perspectivas positivas em termos de gás do País, com possível autossuficiência em um cenário próximo? Esse ponto é contrário a tudo que o Governo vem anunciando para atrair investimentos na cadeia de óleo e gás.
Entendemos que a Petrobras tem todo o direito de decidir sobre as operações das unidades de negócios que estão sob sua gestão e sua propriedade. Esse direito inclui alienar e até paralisar seus ativos, desde que haja previamente um acordo com clientes e fornecedores, que possuem contratos com a estatal, que incluem penalidades financeiras em caso de não cumprimentos dessas obrigações. Não só isso, a relação entre a Petrobras e esses fornecedores e clientes é muito antiga, tendo sido a estatal sempre um exemplo de fornecedor confiável. Portanto, não é saudável que uma decisão de tamanha envergadura e com consequências tão negativas seja tomada de forma unilateral.
Essa decisão, certamente, não está alinhada com a linha de ação que a empresa tem sistematicamente informado ao mercado de: “respeito aos Contratos” (valendo para os assinados e aqueles que por sistemática configuram uma relação contratual), ”fulldisclosure” de sua postura em relação às melhores práticas de mercado, ética nos negócios e respeito aos “stakeholders”.
A ABIQUIM entende que a Petrobras, por ser Agente dominante, não tem a prerrogativa de tomada de decisões intempestivas e que podem causar enormes danos às empresas clientes, de diversas cadeias industriais, fornecedores e à comunidade de um modo geral.
Por fim, é lamentável que no momento em que a Petrobras anuncia tantas parcerias, inclusive novos investimentos em óleo e gás, esteja virando as suas costas para Parceiros Antigos, como a indústria química, que a ajudaram muito a chegar onde chegou!!!!