Xadrez do cartel da mídia e o caso Petrobras, por Luis Nassif
A ignorância abriu espaço para o maior processo de corrupção da história, nas leis, medidas provisórias e na queima de ativos públicos.
Dia desses participei de um debate sobre fake news. O outro debatedor sustentava que a única saída para combater o fake news seria com educação, significando educação formal, de melhoria do nível escolar. Ponderei que a única maneira seria uma lei de regulação da mídia que implantasse alguma diversidade de narrativas.
A razão é simples. Existe um mercado de opinião e vários agentes influenciadores: educação, política, religião e mídia, entre outros. De longe, a maior influência é da mídia, inclusive sobre a educação. E nesse campo, existe uma cartelização, na qual o cartel impõe o discurso.
Em qualquer campo da economia, do comércio de ferro velho ao mercado financeiro, cartel sempre significou um risco aos direitos dos consumidores e da concorrência. A legislação antitruste está incorporada ao aparato jurídico de qualquer economia de mercado.
O mercado de opinião é mais estratégico até que o de combustíveis, pois mexe diretamente com os destinos do país, influenciando a política, o sistema judicial, o aparato repressivo, as representações sociais e empresariais, a política econômica. E, no entanto, permitiu-se sua cartelização no país.
Vamos a uma análise das implicações do discurso único na economia, através da CBN e Globonews, tomando por tema a política de combustíveis de Pedro Parente e a greve dos caminhoneiros.
Peça 1 – os impactos dos combustíveis
Ao lado dos salários e do câmbio, energia é um dos preços chave da economia, por impactar todos os custos.
Confira nesse pequeno apanhado sobre as consequências da alta dos combustíveis e das cotações diárias, dolarizadas, na economia e na vida dos cidadãos:
Segurança jurídica – impacta diretamente o frete, pela impossibilidade de fixação de valores para contratos de médio e longo prazo.
Regressividade – Quanto menor o valor da carga transportada, maior o peso dos fretes sobre ela. Quanto menor a renda, maiores os gastos com consumo. Significa que a alta dos combustíveis afeta fundamentalmente a base da pirâmide. E essa regressividade é ampliada pelos impactos no gás de cozinha e no óleo combustível, que serve de energia elétrica para localidades distantes.
Competitividade – afeta a produção interna, em comparação com os importados. No caso dos importados, o custo do frete incide apenas sobre a entrega final. Na produção interna, incide sobre toda a cadeia de insumos cumulativamente, não apenas no transporte, mas na produção.
Peça 2 – A lógica do pré-sal
Desde o Código de Águas, no início dos anos 30, as riquezas do subsolo são consideradas bens públicos, isto é, de propriedade do conjunto da nacionalidade. Sua exploração requer a concessão do direito de lavra por parte do Estado, justamente para preservar o interesse público.
Desde o segundo choque do petróleo, no fim dos anos 70, foram feitos investimentos vultosos por parte do Estado (acionista controlador) na capacidade de produção, refino, distribuição e transporte. Seguiu-se a lógica da indústria do petróleo, de entrar em todos os elos da cadeia justamente para poder arcar com suas responsabilidades, como gestora de um insumo estratégico.
O pré-sal é a maior riqueza natural da história, superior às reservas de ferro, bauxita e outros minerais. Sua exploração foi conferida preferencialmente à Petrobras, visando atender o objetivo maior, nacional, de distribuir os frutos pela população.
Em nome desse objetivo, o Estado concedeu à Petrobras a exploração do pré-sal e concessões não onerosas. Ou seja, patrimônio público foi doado a uma empresa de capital misto para que cumpra um objetivo nacional. O controle estatal garantiu à Petrobras acesso a financiamentos internacionais com risco soberano (de país), muito mais baratos do que para empresas sob controle privado.
Recebeu as benesses de uma empresa pública, para cumprir compromissos públicos. Foram fixadas três contrapartidas para a busca do bem geral. De um lado, incrementar as cadeias industriais e de serviços, e garantir o abastecimento nacional a preços módicos. De outro, através dos royalties do petróleo, constituir fundos para a educação e para a saúde..
Peça 3 – a lógica empresarial da Petrobras
Criou-se uma racionalidade econômica capaz de casar o atendimento das prioridades nacionais com a lógica empresarial e com a legislação sobre combustíveis. O custo do combustível interno passou a ser um mix do custo de produção interna com o custo das importações, evitando assim expor novamente o país a novos choques de petróleo.
Suponha que o custo interno do derivado (produção + refino) seja de 15 dólares o barril e a produção corresponda a 70% do consumo; e o preço internacional seja de US$ 80,00, respondendo por 30% do consumo. O mix de preços daria um custo final de US$ 34,5 o barril. Caso as cotações internacionais despencassem para US$ 25,00, o custo final cairia para US$ 18,00.
O que Pedro Parente fez foi simples. Se os preços internacionais dão um salto, todo o combustível da Petrobras – dos importados à produção interna – acompanham. Transfere para o país o preço da especulação internacional e os lucros para os acionistas da Petrobras, em um momento em que o mercado internacional está expostos a mais uma onda de especulação com derivativos.
Se os preços internacionais caem abaixo do custo de produção, passa a vigorar o custo de produção.
Peça 4 – o jogo da desinformação
Aqui se entra no centro do nosso Xadrez: o cartel da mídia impondo a narrativa única. De repente, toda a lógica econômica por trás do modelo energético foi deixada de lado.
Volte à tabela do exemplo. A dolarização significou não apenas os importados, mas a produção interna, acompanhar as cotações internacionais. Ou seja, se o barril de petróleo salta para US$ 80,00, todos os preços internos, inclusive a produção do pré-sal, acompanha os movimentos internacionais – hoje em dia, submetidos novamente ao jogo especulativo dos derivativos.
Haveria três formas de financiar a elevação das cotações internacionais de petróleo:
- A Petrobras praticar o mix de preços, entre o custo da produção e o importado. Não perde. Apenas deixa de ganhar em cima da especulação internacional.
- O consumidor paga.
- O contribuinte paga através de cortes de gastos (na área social) ou aumento de impostos.
Os inacreditáveis Samuel Pessoa e Mirian Leitão deram o berro: não se mexe nos lucros da Petrobras. Não se está falando do lucro operacional da atividade, mas dos ganhos especulativos decorrentes da alta dos preços internacionais. E todos (repito: TODOS!) os comentaristas da Globonews passaram a entoar o coro em uníssono, sendo acompanhados pelo cartel da mídia.
Com isso, seu público não foi informado das contraindicações dessa política:
- Reduzir a competitividade interna.
- Penalizar os consumidores, especialmente os de baixa renda.
- Encarecer os fretes de todos em um país eminentemente rodoviário, penalizando as regiões mais distantes do centro.
Mais que isso. Todo o discurso, aparentemente, era em defesa da Petrobras.
Mas o que foi a gestão Pedro Parente:
- Praticou uma política de derivados que abriu espaço para a importação e criou 25% de capacidade ociosa nas refinarias da Petrobras. Fez a empresa perder mercado em benefício das importações.
- Vendeu ativos, em pleno período de queda nas cotações internacionais, para antecipar pagamento de dívidas.
- Mais que isso, integrado ao sistema Petrobras os ativos teriam muito mais rentabilidade do que se operados isoladamente. Significa que o preço obtido com a venda será muito inferior aos resultados dos ativos com a rentabilidade Petrobras, de uma empresa integrada.
- Não foi divulgado nenhum estudo comparativo sobre a rentabilidade desses ativos versus o custo dos financiamentos.
- Suponha que o ativo gere uma Taxa Interna de Retorno de 12% ao ano (o padrão da Petrobras é de 14%) e o custo da dívida seja de 7%. Em 20 anos, a geração de caixa pagaria com sobra os juros anuais e ainda permitiria acumular um saldo 260% superior ao principal, preservando os ativos.
Nem Tribunal de Contas da União (TCU), nem a Controladoria Geral da União (CGU), aparelhadas para identificar as menores infrações administrativas, se deram o trabalho de analisar a estratégia de venda de ativos públicos da Petrobras. Nem a própria empresa tratou de divulgar os estudos demonstrando a consistência dessa venda de ativos no longo prazo.
Peça 5 – o papel da ideologia
Tempos atrás, conversando com um notável procurador da República, da área penal, ele contestava artigos em que mencionava a ausência do interesse nacional nas operações de cooperação internacional da Procuradoria Geral da República.
Dizia ele que o MPF tem procuradores mais à esquerda, mais à direita, mas todos patriotas, buscando o melhor para o país.
Acredito, com exceção do ex-PGR Rodrigo Janot indo ao Departamento de Justiça dos EUA levando elementos para que abrisse um processo contra a Petrobras. Repito o que escrevi na época: quando se restabelecer a normalidade democrática do país, esse ato de Janot não ficará impune. Será tratado como um ato de traição ao país.
Mas confira-se o peso da ideologia.
Quando sobreveio o impeachment, especialmente o MPF do Distrito Federal abriu uma enxurrada de atos de ofício – isto é, de livre iniciativa do procurador – baseados nas reportagens mais estapafúrdias divulgadas pela imprensa na época.
Criminalizou-se o financiamento às exportações de serviços, os financiamentos do BNDES aos campeões nacionais, a diplomacia externa, e até a ampliação do prazo de concessões fiscais à indústria automobilística fora do Sudeste. Foi um festival de ignorância crassa, criminalizando políticas de financiamento praticadas por todos os países desenvolvidos, baseado justamente nos bordões praticados pelo cartel da mídia.
Agora, se tem um caso clássico de desrespeito à legislação dos combustíveis – privilegiando acionistas em detrimento dos objetivos nacionais -, de queima de ativos, de políticas comerciais claramente prejudiciais à Petrobras, e o MPF nada faz.
A LEI No 9.847, DE 26 DE OUTUBRO DE 1999 é clara:
§ 1o O abastecimento nacional de combustíveis é considerado de utilidade pública e abrange as seguintes atividades:
I – produção, importação, exportação, refino, beneficiamento, tratamento, processamento, transporte, transferência, armazenagem, estocagem, distribuição, revenda, comercialização,
II – produção, importação, exportação, transporte, transferência, armazenagem, estocagem, distribuição, revenda e comercialização de biocombustíveis, assim como avaliação de conformidade e certificação de sua qualidade;
Veja bem: é papel do MPF a defesa das leis e da Constituição. E do TCU e AGU o de analisar o que é feito com ativos públicos. Preferiram reinterpretar as leis à luz do que a Globonews definiu como in ou out – com a mesma profundidade de qualquer modismo.
Não é falta de patriotismo. É ignorância crassa de um país institucionalmente subdesenvolvido, cuja iniciativa penal se subordinou totalmente aos bordões rasos da ideologia midiática.
A ignorância abriu espaço para o maior processo de corrupção da história, nas leis, medidas provisórias e na queima de ativos públicos. Mas, como a Globonews disse que essa queima de ativos é atitude moderna, o MPF esquece que é guardião das leis e da Constituição, e passa ao largo.