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O fim das contas de energia, por Felipe A. P. L. Costa; "Eis aí um objetivo em torno do qual mais gente deveria estar se organizando"

O fim das contas de energia, por Felipe A. P. L. Costa

O fim das contas de energia

por Felipe A. P. L. Costa

A primeira companhia elétrica do mundo foi criada em 1880, em Nova York (EUA), por Thomas Edison (1847-1931), o inventor da lâmpada elétrica. Sua companhia começou a produzir eletricidade dois anos depois, a partir de um protótipo de usina: uma caldeira a carvão conectada a um motor movido a vapor e a um dínamo. Quando a usina foi inaugurada, em 6/9/1882, a quantidade de eletricidade produzida era suficiente para acender uma centena e meia de lâmpadas.

O sucesso da empreitada foi imediato, enriquecendo os pioneiros e levando as companhias concorrentes (movidas a gás) à falência. Hoje, virtualmente todas as cidades do mundo estão ligadas por fios de transmissão a uma alguma usina geradora de eletricidade. Na maioria dos casos, o modelo é mais ou menos o mesmo: a corrente elétrica flui a partir de usinas distantes, situadas a dezenas, centenas ou milhares de quilômetros até o interior da casa de cada um dos consumidores.

De Marmelos a Itaipu

A primeira usina geradora de energia elétrica construída no país foi uma termelétrica, instalada em Campos (RJ). O objetivo era gerar eletricidade para uso público e doméstico na capital do país, então a cidade do Rio de Janeiro. Pouco depois, foram construídas as duas primeiras hidrelétricas, ambas em Minas Gerais e para uso privado: a primeira em Diamantina (1883) e a segunda em Nova Lima (1887). A primeira hidrelétrica brasileira a gerar eletricidade para uso público foi Marmelos (1889), uma usina construída em Juiz de Fora (MG). De lá para cá, as hidrelétricas proliferaram pelos quatro cantos do país, alterando a geologia, a ecologia e a sociologia de muitos lugares. Foi assim que, ao longo do século 20, a geração, a transmissão e a distribuição de eletricidade se converteram em três filões de negócios tão desejados.

Uma usina hidrelétrica – seja Marmelos ou Itaipu, ainda a maior usina a fornecer eletricidade aos brasileiros – pode ser descrita como um conjunto de obras e equipamentos (sistemas de captação e adução de água, casa de força etc.) organizados de modo a converter a energia potencial (potencial hidráulico) de um corpo d’água em eletricidade. Uma diferença importante entre as usinas de Marmelos e Itaipu – além das dimensões, claro – é que a primeira aproveita o desnível natural de uma corredeira, enquanto a segunda depende do desnível artificial criado por uma gigantesca barragem de aço e concreto. Em ambos os casos, porém, é o desnível que estabelece o potencial hidráulico a ser explorado.

O coração de uma hidrelétrica é a sua casa de força. É lá que estão as máquinas projetadas para gerar tensões elétricas de alguns milhares de volts. Como as usinas estão situadas longe dos centros consumidores, a energia elétrica gerada precisa ser transmitida a longas distâncias. Para que isso ocorra de modo eficiente, a tensão original é elevada (passando de dezenas para centenas de milhares de volts), o que é feito por um ou mais transformadores de elevação, situados na própria usina ou nas proximidades. Itaipu, por exemplo, tem mais de uma subestação; nelas, os transformadores elevam a tensão de 18 kV para 500-750 kV. Quando a linha de transmissão chega a um ponto de distribuição (digamos, uma cidade), a tensão é reduzida (caindo então para alguns milhares de volts), o que é feito por um transformador de redução. Em seguida, a energia é distribuída até as unidades consumidoras. No caminho, porém, a tensão é reduzida mais uma vez (de milhares de volts para os conhecidos valores de 127 ou 220 V), o que é feito por um segundo transformador de redução (pequenos e em geral instalados em postes na rua).

Embora o potencial hidráulico dos rios possa ser visto como uma fonte renovável de energia, as hidrelétricas têm uma vida útil relativamente curta. A principal razão disso é que o desnível criado pela barragem tende a diminuir, baixando a capacidade geradora da usina. Isso ocorre porque a própria barragem acelera o depósito de partículas (grãos de areia etc.) no fundo, reduzindo o desnível e, consequentemente, a capacidade de armazenamento do lago. Fenômeno semelhante ocorre no leito de lagos e lagoas naturais: com o tempo, o acúmulo de sedimentos trazidos pelas águas tende a ir preenchendo o fundo, o que faz com tais corpos d’água desapareçam. Assim, diferentemente dos rios, que podem correr sobre um mesmo leito durante milhares ou mesmo milhões de anos, lagos e lagoas têm um tempo de vida bem mais curto.

Nas hidrelétricas, a sedimentação de partículas em suspensão pode ser evitada ou revertida por meio da remoção periódica do material acumulado no fundo. Desse modo, a capacidade geradora volta a se aproximar do patamar original, um processo referido como repotenciação. Embora seja uma alternativa óbvia à alegada necessidade de construção de novas usinas (capitães de indústria e gestores oportunistas estão sempre de olho nas grandes obras), na prática esse processo não tem sido devidamente utilizado entre nós. No fim das contas, talvez não seja difícil entender porque há tanta má vontade em torno desse assunto: afinal, construir novas hidrelétricas é um modo muito mais lucrativo de ganhar dinheiro (nem sempre de modo lícito, é bom que se diga), em vez de repotenciar usinas antigas.

Fontes renováveis de energia

Além do carvão mineral e da força das águas, outras fontes têm sido usadas para gerar eletricidade, incluindo gás natural, petróleo e, após a II Guerra Mundial, o chamado combustível nuclear. Um problema comum a todas essas fontes de energia, com exceção talvez da água dos rios, é que elas são fontes não renováveis. Significa dizer que todas elas são fontes de recursos que logo se esgotarão – mais cedo ou mais tarde, dependendo da taxa de consumo.

O esgotamento das fontes não renováveis, no entanto, não implicaria no fim das fontes de energia. Visto que outras fontes estão agora a ser exploradas. É o caso da luz solar, fontes geotérmicas, força das marés, força dos ventos e dos chamados biocombustíveis (etanol, metano e outros materiais de origem biológica). Se o uso dessas fontes renováveis vier a provocar a conversão dos motores a combustão em motores elétricos, é possível que a demanda social por energia passe a ser atendida de modo duradouro, barato e eficiente.

Mas há outras vantagens. Por exemplo, além de um prazo de validade virtualmente indefinido, algumas dessas fontes renováveis podem ser aproveitadas por meio da instalação de unidades locais de geração (residenciais ou comunitárias). É o caso dos aquecedores solares e das células fotovoltaicas, equipamentos capazes de converter a energia solar em calor ou eletricidade, respectivamente. No caso de aquecedores solares, já há modelos disponíveis no mercado que são perfeitamente acessíveis ao consumidor brasileiro. De resto, embora a geração de eletricidade a partir de fontes renováveis não seja tão simples como a obtenção de calor, essa é uma área efervescente de pesquisa e novidades aparecem todos os anos.

Converter energia solar em eletricidade envolve a instalação de muitas células fotovoltaicas, formando numerosos agregados de pequeno ou médio porte. Esse modelo deve se repetir em larga escala, propiciando o surgimento de inúmeras centrais elétricas autônomas, em vez de umas poucas centrais gigantescas, concentradas em lugares distantes, como acontece hoje com as hidrelétricas. Nesse contexto, comunidades locais e até mesmo consumidores individuais poderiam adquirir pequenas usinas, pelas quais seriam a partir de então responsáveis (direta ou indiretamente, contratando o serviço de empresas de manutenção). Dependendo do nível de consumo, o aporte oferecido pelo sistema convencional poderia ser minimizado e eventualmente dispensado.

Coda

A tendência óbvia é que os consumidores poderiam se livrar de vez das contas de energia (em tempo: muitas empresas já fizeram isso, construindo suas próprias hidrelétricas), de modo a compensar os custos com a aquisição e manutenção de uma usina própria. Em outras palavras, comunidades locais e mesmo consumidores individuais poderiam se desconectar da rede elétrica, livrando-se de uma vez por todas das contas de energia!

O fim das contas de energia! – eis aí um objetivo em torno do qual mais gente deveria estar se organizando.

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[Nota: versão anterior deste artigo foi publicada no Jornal da Ciência, em 10/2/2009; para informações a respeito do livro mais recente do autor, O evolucionista voador & outros inventores da biologia moderna (2017), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, ver aqui; para conhecer outros artigos e livros do autor, ver aqui.]

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