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"Não existe fake news, …", diz procurador eleitoral; "Sempre tivemos: mentira, briga, difamação, injúria, boatos. Tudo que sempre houve, só que está mais visível agora… discurso de ódio não é opinião e não pode ser protegido pela Justiça durante as eleições"

“Não existe fake news, existe uma desordem informativa”, diz procurador eleitoral

Foto: TSE

Jornal GGN Procurador-geral eleitoral, Humberto Jacques Medeiros disse, durante um evento da Escola Superior do MPU, que discurso de ódio não é opinião e não pode ser protegido pela Justiça durante as eleições. Da mesma maneira, o “carimbo fake news” carrega consigo um “case sobre ele mesmo”, pois também pode despertar nas pessoas o sentimento de ódio e alimentar a censura. Se não souber tratar a doença com os remédios apropriados, a Justiça falhará e abrirá caminho para que o jornalismo plural seja ameaçado.

“Esse nome [fake news] tem sido usado de forma vulgar e estimula nas pessoas reações. Você não pode ficar indiferente à fake news. (…) Fake news, por mais que se queira disfarçar, é um termo que em si envolve discurso de ódio. Não existe fake news, existe uma desordem informativa.”

Na visão do procurador, a melhor análise sobre o cenário atual é a de que a sociedade, principalmente quando o assunto é política, sempre produziu informações precárias e boatos para atingir desafetos ou lançar uma cortina de fumaça sobre os temas que interessam.

A internet não é a causa disso. É apenas a ferramenta que massificou e ampliou o alcance desse tipo de ação, acentuando ainda mais seu volume a partir da ruptura no monopólio dos meios de comunicação tradicionais. Qualquer um com um dispositivo com acesso à rede pode produzir notícia, falsa ou não. Por isso, em vez de dizer que vivemos uma onda de “fake news”, ele prefere enxergar o contexto do ponto de vista da “desordem informativa” ou da “anarquia comunicacional”.

“Tentando esvaziar a caixa do carimbo de fake news, e lidando com a idade de desordem ou anarquia, de um novo fenômeno de comunicação social, temos que lidar no novo espaço com todos os velhos pecados que sempre tivemos: mentira, briga, difamação, injúria, boatos. Tudo que sempre houve, só que está mais visível agora. Sem que essa visibilidade não desperte em nós um censor”, disse.

“Esse caminho [de banalizar o conceito de fake news] consegue destruir a boa imprensa. O trabalho jornalístico sério que me atinge, eu desqualifico dizendo que é fake news. Não preciso nem ter o trabalho de desqualificar o trabalho de investigação. Eu desqualifico a notícia dizendo que é fake news”, disse o procurador, ilustrando o que um político hipoteticamente poderia fazer durante a eleição.

“Pra mim, a busca pela liberdade se faz com mais liberdade de informação, mais empoderamento do eleitor e do destinatário das mensagens”, recomendou.

DISCURSO DE ÓDIO

Outro tema em alta por conta do clima de acirramento político é o discurso de ódio. O procurador alertou que “discurso de ódio não é opinião.” E, assim como no caso das notícias falsas (que na maioria das vezes são propagadas com a intenção de atacar a imagem de alguém), a Justiça deve tratar com uma fórmula simples: usar os dispositivos do Código Penal que versam sobre os crimes de calúnia, injúrica, direito de resposta e outros nesse sentido.

“Para problemas velhos, soluções velhas: direito de resposta. Se dizem A, deixem que digam B, e o eleitor decide. Não é carimbo de fake news que deve despertar o censor em nós.”

Medeiros ainda argumentou que existem 3 tipos de verdade: a “eleitoral, a factual e a processual”, sendo que a verdade processual nem sempre consegue resolver os impasses com a dinâmica exigida pelas eleições. “É necessário que eleitor o faça. Se o eleitorado entende que alguém é assim, então é. E você só consegue que ele faça isso [juízo de valor] com a maior liberdade de informação e expressão possível.”

“Agora, quando chega na disseminação de ódio, as coisas ganham outra realidade. Ódio não é liberdade de opinião. Ódio é expressão mas não é opinião.” A Justiça, portanto, não tem o dever de “dar proteção ao discurso de ódio” como faria com a liberdade de expressão.

Ódio, aliás, é em verdade o “incitamento a condutas ilícitas e desperdício dos tempos das eleições, com ausência de opinião.”

“A Justiça Eleitoral trabalha para não despertar o censor e trabalhar com soluções clássicas como direito de resposta e crimes contra a honra”, diz o procurador-geral eleitoral.

Quando o problema de difusão de discurso de ódio ou de fake news está associado à construção de uma rede de perfis ou páginas falsas, há a possibilidade de outros dispositivos penais para atacar essa estrutura sem precisar entrar na análise do mérito do que está sendo dito. É o controle da forma, não do conteúdo, esclareceu.

COMBATE ÀS FAKE NEWS

Atualmente sob Luiz Fux, o Tribunal Superior Eleitoral tem debatido maneiras de massificar o combate à fake news com uso da lei. Críticos acompanham o debate com atenção pois questionam justamente o risco de a censura prévia se instalar sobre os novos meios de comunicação.

Paralelo à isso, as plataformas de redes sociais, como Facebook, pressionadas pela sociedade e pela mídia tradicional, estão deflagrando ações para combater as notícias falsas, seja retirando do ar a estrutura (páginas e perfis coordenados) usados na difusão do conteúdo, seja obedecendo o rito processual na Justiça quanto ao mérito do conteúdo.

O Facebook, particularmente, fechou parceria com agências de checagem que se comprometeram a analisar as fake news que mais viralizam na internet. Uma vez desmontada, a notícia falsa vira motivo para o Facebook punir a página que a divulgou, reduzindo seu alcance. Quem faz a recomendação nesse sentido é a agência de checagem. No Brasil, há duas em evidência: a Lupa e Aos Fatos.

Recentemente, ambas se envolveram numa polêmica por causa do terço que o Papa Francisco abençoou e que foi entregue a Lula por um ex-assessor do Pontíficie. As agências denuncias blogs progressistas e outros sites independentes pela “fake news”, mas usaram uma nota errada do Vatican News para isso. O episódio também sublinhou que a imprensa livre e os sites sem vínculos com os grandes conglomerados de comunicação parecem os alvos preferenciais das agências.