Deliverance, o Amargo Pesadelo do Brasil, ante a família Bolsonaro, por Luis Nassif
Em suma, é uma terra de ninguém. Em algum momento, esse vácuo político será ocupado, sabe-se lá por quem
Se cercar vira hospício; se cobrir, vira circo. É impressionante o que o aventureirismo político produziu no país. É o desmonte institucional completo, com a presidência entregue a uma família desequilibrada e com requintes de depravação.
Parece uma cena de “Deliverance” – ou “Amargo Pesadelo” -, o filme que mostra os amigos que querem se aventurar em uma corredeira e acabam se deparando com uma família de interioranos, isolados da civilização, desequilibrados e violentos contra qualquer “estrangeiro”.
É a síntese do Brasil, depois da aventura inconsequente do impeachment, encontrando no final das corredeiras a família alucinada dos Bolsonaro. Durante anos se esconderam em suas bolhas de WhatsApp, da mesma maneira que os interioranos do filme. De repente, por conta da “refundação” do país, os lunáticos assumem o comando, e se vê todos os cidadãos urbanos cercados por vultos toscos, moralmente desequilibrados, violentos, com ligações nebulosas com o submundo.
E agora?
A quantidade de sandices cometidas há muito deixou de ser folclórica para se constituir em ameaça concreta aos interesses nacionais e à imagem do país no mundo. O país que se orgulhava de ter como representante um Fernando Henrique Cardoso e um Lula, agora é humilhado diretamente pela exposição grotesca de um presidente desajustado.
Nem se fale da pornografia distribuída pelo Twitter do presidente da República, valendo-se do álibi de criticar a “imoralidade” do carnaval brasileiro para dar vazão às suas taras. Não é apenas a desmoralização de um sujeito imoral, mas de todo o país que cometeu a loucura de elegê-lo presidente.
Logo depois, o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, reage contra uma crítica do Deutsche Welle – a BBC alemã – tratando os alemães como nazistas. O chanceler Ernesto Araújo, com pouco tempo à frente do Itamaraty, foi saudado como o pior Ministro das Relações Exteriores do mundo. E o colombiano Ricardo Vélez, Ministro da Educação, a exemplo de seu chefe, Jair, acusou todos os brasileiros de pilantras.
E não param de tuitar, de ofender, de atacar, de desmoralizar o país aos olhos do mundo. Eduardo, Carlos, Flávio, Jair, Salles, Vélez, e mais um enorme cordão de puxa-sacos, copiando suas truculências para ganhar cargo no governo.
Não se trata mais de inexperiência política, falta de verniz intelectual. São desajustados sociais.
Não adianta buscar consolo na suposta racionalidade de Paulo Guedes, Sérgio Moro ou General Augusto Heleno. Guedes jamais conseguiu comandar uma estrutura com mais de duas pessoas e se move exclusivamente por ideologia, sem a menor sensibilidade para as construções sociais, econômicas ou administrativas.
Moro é submisso, provinciano, de pouco brilho, apesar dos esforços ingentes de seus porta-vozes na mídia, de apresenta-lo como um Ministro com luz própria. O general Heleno, na opinião de uma pessoa que conversou longamente com ele, é um “fofo” – ou seja, sem nenhuma vocação para o comando ou para administrar conflitos.
Tudo fica preso à reforma da Previdência, conduzida por Onix Lorenzoni, um parlamentar medíocre, que parece sentir orgasmos ao ouvir a própria voz.
O poder não comporta o vácuo. O país está tão desmontado que a Lava Jato, depois de ajudar o Departamento de Justiça norte-americano a processar a Petrobras, fica com R$ 2,5 bilhões, praticamente tudo o que ela diz que recuperou para a Petrobras. E o vácuo de autoridades é tão grande que a PGR Raquel Dodge não se manifesta, a mídia finge não se tratar de um mega escândalo, Ministros boquirrotos do STF (Supremo Tribunal Federal) se calam.
Em suma, é uma terra de ninguém. Em algum momento, esse vácuo político será ocupado, sabe-se lá por quem. Mas dá para acompanhar online a historia e compreender porque o Brasil nunca conseguiu se tornar uma nação desenvolvida.
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Janio: sabiam quem era ele, não se façam de escandalizados
Janio de Freitas, num texto magistral, faz hoje na Folha o seu J’accuse a todos quantos promoveram a elevação deste desclassificado à Presidência da República e que agora ficam tomados de hipócrita e afetação quando a sua imundície transborda sobre o cargo que deveria representar o nosso país. Sim: todos, porque apoiaram ou toleraram a abjeção que se apresentava às urnas, perfeitamente conhecida ao longo de 30 anos de grosseria e brutalidade espalhafatosas, que se fizeram à luz do dia.
A escolha ideal
Janio de Freitas, na Folha
O autor da cafajestada tuiteira que escandaliza as classes média e rica tem todo o direito de estar, ele sim, com o mais sincero e legítimo espanto. Tudo o que levou a fazê-lo presidente veio de iniciativas dessas classes. Não por acaso, as mais informadas sobre o tenentinho desordeiro, depois sobre o político estadual defensor da ditadura e das milícias, e logo o deputado federal que enriqueceu as características precedentes com duas demonstrações: a ignorância sem brechas e uma variedade insuperável de atos qualificáveis, desde sempre, como molecagens, cafajestices, falta de decoro e de educação, e daí para pior. Não cabe falar em deselegância, em falta de sensibilidade.
Foram três décadas de exibição, bem exposta ao país pela comunicação em geral, até que esse personagem anômalo se revelasse o ideal, político e de governante, das classes média e rica para o Brasil. O direitismo de Geraldo Alckmin e Henrique Meirelles foi desprezado como insignificância diante do “mito”.
O Jair Bolsonaro com título de presidente é o Jair Bolsonaro que todos, mesmo se dotados só de informações mínimas da política, puderam saber quem era, como era e do que se mostrava capaz. E quem, em 30 anos, não teve sequer esse resíduo de informação, na campanha recebeu do candidato uma síntese bastante fiel da sua sedução pela violência, pela morte alheia, pelas palavras e atos moldados no primarismo feroz.
Não há eleitor ingênuo nesse drama brasileiro, se não for tragédia. Não há, portanto, eleitor inocente nos que produziram a vitória nas urnas. Nem mesmo o grande contingente dos evangélicos. Do qual não se sabe se mais usou ou foi usado pela classe rica, na busca de um poder que só compartilham na aparência, enquanto afiam as lâminas.
Nas responsabilidades da classe média estão as dos militares, em particular a da oficialidade do Exército, ativa e reformada. É imaginável que seu pudor profissional, já com muitos hematomas, esteja agora envolto em sentimentos misturados que a perplexidade silencia. Aos olhos da paisanada, a formação do militar do Exército está sob muitas interrogações. Não só pela figura central, mas também pelo endosso que lhe foi dado e pela associação que, noticiou o “Estado de S. Paulo”, já conta com mais de uma centena de militares em postos do governo.
Aos militares do núcleo de poder há que reconhecer o respeito demonstrado por suas funções, na relação com os cidadãos. Nada de arroubos, nem de exibicionismo. Apesar de daí decorrer, também, o desconhecimento geral do que pensam esses militares, mesmo que só como definições de políticas públicas. E isso inquieta, porque é quase unânime a percepção do péssimo estado do país. E do que alguns ministros já começaram para piorá-lo.
Má conduta tuiteira tem a ver com o Ministério da Justiça, embora também com a área da comunicação. O cargo de ministro pode ser um prêmio, ou retribuição, mas isso não dispensa de deveres. O ex-juiz hoje é tão ministro quanto fugitivo: sempre fugindo de indagações a que não responde porque não disse, nem fez, o que as dispensaria, e era do seu dever.
Na casa de Sergio Moro, a vitória de Jair Bolsonaro teve comemoração, levada por sua mulher às redes sociais. Prova de identificação que elimina as hipóteses de encontro com o inesperado, por parte de quem renegou a toga para estar ao lado de quem hoje escandaliza. Moro leva a muitas afirmações de surpresa, entre seus admiradores, mas não pode se surpreender com “o mito”.
Jair Bolsonaro encerrou sua mensagem suja com este pedido: “Comentem e tirem suas conslusões” (sic). No que me cabe, pedido atendido.
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