O arrivismo judicial perdeu a compostura
O STF atual é conseqüência não só do modelo, mas dos presidentes e senadores que o operam
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Se você temia os juízes ativistas, melhor prestar atenção nos arrivistas. “Ativismo judicial” é expressão que tenta detectar decisões judiciais que, para o bem ou para o mal, transbordam o domínio do Judiciário. Banalizou-se quando passou a ser usada para quase toda decisão que incomoda, ou para o erro judicial puro e simples.
“Arrivismo judicial”, ao contrário, ainda não se popularizou no vocabulário de análise do comportamento judicial. Indica um desvio ético e legal. O juiz arrivista faz da instituição instrumento de seus projetos políticos. Ignora regras e convenções. Calcula os riscos. A instituição submerge na ambição individual.
O arrivismo é prática espalhada por todos os níveis do Judiciário brasileiro, mas em nenhum lugar fica tão exposto quanto na campanha de juristas ao STF. Nas últimas décadas, poucos ministros lá chegaram sem o cortejo a presidentes e a senadores.
O juiz Marcelo Bretas inovou. Sua insubordinação ao Conselho Nacional de Justiça ficou conhecida em 2018 quando explicou, em rede social, por que acumulava dois auxílios-moradia (o dele e o da esposa juíza) mesmo tendo residência própria. Violou a regra e apelou ao cinismo: “Tenho esse estranho hábito, sempre que penso ter um direito vou à Justiça”.
Desde então, destacou-se em rede social (de novo, contra regulação do CNJ). Celebrou eleição do presidente, eleição do filho do presidente (o que empregou milicianos em seu gabinete), exibiu-se no voo em jato da FAB para a posse do presidente, posou com fuzil etc.
No último fim de semana, Bretas resolveu dar demonstração mais acabada de sua serventia. Aproveitou-se da condição inusitada de “principal autoridade fluminense”, foi recepcionar o presidente na pista do aeroporto, juntou-se à comitiva com outras autoridades (os generais, o prefeito etc.) e os acompanhou à cerimônia de inauguração de obra pública e ao showmício religioso. No palco, até dançar atrás do bispo e de Bolsonaro ele dançou.
Bretas cometeu ilegalidades bastante elementares: a Constituição veda a juízes “dedicar-se à atividade político-partidária” (art. 95); a Lei Orgânica (art. 26) e o Código de Ética da Magistratura (art. 7º) fazem igual; a resolução 305 do CNJ proíbe a autopromoção e exposição midiática; o provimento 71 da Corregedoria Nacional proíbe “participação em situações que evidenciam apoio público a candidato ou partido político”.
A reclamação disciplinar chegou ao CNJ, que já aplicou a “pena” de aposentadoria compulsória a juiz que se engajou em atividade política no município de Santa Quitéria, no interior do Maranhão. Se o CNJ entende que deve zelar pela ética judicial, que deve tomar decisões a tempo, e que seus precedentes valem não apenas para a política local de Santa Quitéria, o destino de Bretas deveria ser simples.
Não é que Bretas desmoralize a magistratura, pois é próprio da magistocracia desmoralizar a magistratura. Bretas boicota a discrição magistocrática, método da baixa política que garante manutenção do status. Joga não só contra a instituição, mas contra os pares. É uma espécie de “homem tocha”, que põe o esquema em risco e nem percebe. Ou talvez tenha sido o primeiro a notar que a nova era pede um arrivismo mais barato e degradante.
Está acirrada, de todo modo, a luta por uma vaga no STF. Ives Gandra Filho, por exemplo, ministro do TST e adepto do arrivismo clássico de bastidores, decidiu sozinho que funcionários da Petrobras não têm direito à greve. Ou melhor, que apenas 10% o têm.
O número brotou de sua intuição, não da lei. A mesma intuição que lhe fez afirmar, em livro, que o “divórcio vai contra a lei natural” e que o “princípio da autoridade na família está ordenado de tal forma que os filhos obedeçam aos pais e a mulher ao marido”.
Não há modelo de nomeação de ministros do STF blindado contra o arrivismo, mas há modelos melhores que outros. E não se esqueça de que o STF atual é consequência não só do modelo, mas dos presidentes e senadores que o operam.
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