Com o desprezo pelos preservativos cada vez maior, adolescentes e jovens enfrentam crescimento de quase 2.500% nos casos de sífilis e de até 187% nos casos de Aids nos últimos anos
Por simples descuido ou por excesso de ousadia, os jovens que têm comportamento sexual de risco entram em uma seara perigosa cujas consequências vão marcar o resto de suas vidas, seja por uma gravidez indesejada ou por uma doença sexualmente transmissível, como a Aids ou a sífilis.
De acordo com pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) feita em 2012 e em 2015 com jovens do 9º ano do ensino fundamental, eles estão deixando de lado a proteção. Em 2012, no primeiro levantamento, 28,7% disseram já ter tido relação sexual, e 75,3% usaram camisinha. No segundo, feito em 2015, 27,5% afirmaram já ter tido relação sexual, mas 66,2% usaram camisinha. Em três anos, a redução foi de nove pontos percentuais.
Na pesquisa “O Jovem e o Sexo”, divulgada no ano passado pela Unifesp, apenas 5% dos entrevistados, que tinham entre 15 e 25 anos, disseram usar camisinha em todas as relações.
Esse comportamento certamente é um dos fatores que levaram ao crescimento dos casos de HIV entre jovens brasileiros. Levantamento feito pelo Ministério da Saúde a pedido de O TEMPO mostra que, nos últimos dez anos, os casos entre jovens de 15 a 19 anos aumentaram 163% no país. Hoje eles representam 5,5% do total de soropositivos. Em 2007, eram 4,3%.
O crescimento foi ainda maior na faixa etária entre 20 e 24 anos, passando de 828 infectados em 2007 para 2.381 em 2016, alta de 187%. Esses jovens concentram o maior número de soropositivos do país, com 18% do total. Em 2007, eles representavam 13% dos casos.
Os números sobre sífilis também são impressionantes. Em 2010, segundo o ministério, foram registrados 109 casos da doença, número que no ano passado chegou a 2.820, um aumento de 2.487% (ou seja, 25 vezes) na faixa de 13 a 19 anos. Entre 20 e 29 anos, o número de infectados passou de 368 em 2010 para nada menos do que 9.159, um aumento de 2.400%.
Transar sem camisinha e com vários parceiros é um comportamento dos jovens que ficou evidente em alguns tipos de festas. Nos chamados “trenzinhos”, ou “tábuas de sexo”, garotos e garotas costumam trocar de parceiros várias vezes durante a noite.
Nos bailes funk, essa troca de parceiros e o sexo sem camisinha, muitas vezes feito na rua e depois exibido em vídeos na internet, são exemplos extremos de comportamento de risco, que não é exclusividade dos jovens brasileiros. Em Madri, capital da Espanha, está na moda o jogo “del Muelle”, um tipo de roleta russa do sexo, segundo a qual rapazes formam uma roda, abaixam as calças, e meninas se revezam entre eles em ato sexual. Perde quem ejacular primeiro. Tudo isso sem preservativo. A psiquiatra Marília de Freitas explica que a adolescência é a fase da vida em que o indivíduo mais sente a necessidade de autoafirmação e de pertencer a um local ou grupo. “Por natureza, ele tende a querer ser o dono da verdade e de suas vontades. Muitas vezes, nessa tentativa de querer ser adulto antes da hora, acaba entrando em situações de risco”, explica.
No entanto, ela rejeita moralismos. “Não posso ter uma visão moralizante sobre os atos do jovem sem antes entender os códigos do meio em que ele vive e por que ele age daquela forma”, ressalta. Para ela, determinar de antemão o que é certo e o que é errado é um ato discriminatório. Segue a mesma linha Albertina Duarte, coordenadora do ambulatório de Ginecologia da Adolescência do Hospital das Clínicas de São Paulo. “Eu sei que relações sexuais sem camisinha acontecem nos bailes funks, por exemplo, mas eu não posso julgar um ambiente cultural de socialização importante de adolescentes como o culpado por todos os casos. Eles representam 10%, e os outros 90%?”, pondera.
“O problema maior não é a falta de informação, atendo crianças de 6 anos que sabem o preço de uma camisinha. A questão maior é falta de segurança desse jovem, com o próprio corpo e nos relacionamentos. O jovem precisa ser amado, escutado e incentivado a se socializar”, ressalta.
Minientrevista
Oswaldo Rodrigues
Psicoterapeuta sexual
Instituto Paulista de Sexualidade
Por que os jovens estão fazendo sexo sem proteção?
Grupos de adolescentes que não receberam educação sexual desde a infância, em especial junto da família, tendem a arriscar-se mais sexualmente. Esses jovens tendem a seguir a impulsividade como forma de encontrar uma compreensão do mundo, que não lhe forneceu, até aquele momento, essa compreensão.
O senhor acredita que seja por falta de informação?
Não se trata de informação pura e simples, mas de informação advinda de fontes seguras e afetivas para sanar dúvidas que toda criança tem. Informação é parte desse mecanismo, mas a informação em si somente suscita mais busca para comprovar, compreender do que se trata cada coisa sobre sexo.
Os pais hoje ainda têm dificuldade em abordar o assunto?
A educação sexual deveria ocorrer, minimamente, em duas instituições sociais: família e escola. Nessa ordem cronológica. A família teme proporcionar o tema sexo junto a filhos crendo que isso fará com que eles busquem sexo. Em nenhuma pesquisa isso se mostrou real, ao contrário, filhos que receberam as informações coerentes a partir dos pais tendem a postergar o início da vida sexual coital. O mesmo se aplica às escolas. Poucas se atrevem a fornecer educação sexual formal ou a preparar professores para responder perguntas que alunos façam sobre sexo.
Quais as saídas?
A implantação dos processos de educação sexual é a política necessária para todo o país! Porém, existem muitos segmentos populacionais contrários a essa implantação, formalizada em lei há mais de 15 anos. Assim, o processo de educação sexual precisa ocorrer com os adultos: pais e professores. Somente numa segunda etapa se poderia implantar diretamente a crianças e adolescentes.
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