Mídia, Política

Carbono 14: do escândalo midiático à falta de provas reconhecida por Moro. Operação da PF prometia revelar os “segredos obscuros” da morte de Celso Daniel.

Carbono 14: do escândalo midiático à falta de provas reconhecida por Moro

Por algum motivo não questionado aos procuradores da Lava Jato, a Carbono 14 foi parar nas mãos de Moro já sem interesse nenhum em cumprir a promessa de revelar os “segredos obscuros” da morte de Celso Daniel. Usaram o caso para atrair mídia às vésperas do impeachment e, depois, trataram-no como “irrelevante” 

Jornal GGN – Carbono 14 é um elemento de vida longa, que resiste à ação do tempo e, por isso, a Polícia Federal achou que seria uma grande sacada nomear assim uma operação da Lava Jato que se propunha, em abril de 2016, às vésperas do impeachment de Dilma Rousseff, a apurar os “detalhes obscuros” da morte de Celso Daniel, o eterno fantasma do PT.

Mas quem criou expectativas deve ter ficado decepcionado com a sentença de Sergio Moro, proferida nesta quinta (2), no âmbito da Carbono 14. O juiz de Curitiba teve de admitir que a força-tarefa da Lava Jato não encontrou nenhuma prova que sustente a teoria de que o empresário Ronan Maria Pinto teria recebido quase R$ 6 milhões a mando do PT para ficar calado sobre o assassinato de 2002.

Aliás, o Ministério Público Federal sequer apresentou denúncia de extorsão contra Maria Pinto. O que Moro julgou foi o crime de lavagem de dinheiro envolvendo um empréstimo que José Carlos Bumlai tomou junto ao banco Schahin, em 2004, no total de R$ 12 milhões. Em troca, anos depois, o Grupo Schahin foi compensado com um contrato bilionário com a Petrobras.

Foi condenado, na Carbono 14, Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, como provável mandante do crime, pois ele teria solicitado que Bumlai tomasse o empréstimo e repassasse os recursos a Ronan Maria Pinto. Este último, dono do jornal Diário do Grande ABC, beneficiário final, não conseguiu provar que teria começado a pagar o empréstimo nem explicar as movimentações financeiras típicas de lavagem. Os empresários Enivaldo Quadrado e Luis Carlos Casante também foram sancionados por “arquitetar operações de ocultação e dissimulação, simulando variados contratos de empréstimo” para ajudar Bumlai com as transferências. Todos pegaram até cinco anos de prisão mais multa, com regime semi aberto apenas para Casante. Cabe recurso.

 Certo é que restou provado, com as condenações, um enorme contraste entre o que a Lava Jato vendeu à opinião pública em abril de 2016 – ligar o petrolão à morte de Celso Daniel e provar que Santo André era laboratório para a corrupção federal – ajudando a mídia a desgastar o governo Dilma, e o que, de fato, foi levado a julgamento por Sergio Moro, no intervalo de apenas um mês – o MPF ofereceu a denúncia em maio de 2016.

Na entrevista concedida a jornalistas sobre a Carbono 14, um dos procuradores explicou que o objeto das investigações era descobrir por que Ronan Maria Pinto teria recebido dinheiro por intermédio do PT. (Assista aqui, a partir dos 3 minutos)

Durante as audiências, um dos depoimentos mais alardeados pela grande mídia foi o de Marcos Valério, que fez uma cena diante de Moro, implorando para não dizer o que sabia sobre a morte de Celso Daniel, pois temia por sua vida dentro da prisão.

O próprio juiz Moro citou o caso para deferir o pedido de prisão de Ronan Maria Pinto. Escreveu o magistrado: “É ainda possível que este esquema criminoso tenha alguma relação com o homicídio, em janeiro de 2002, do então Prefeito de Santo André, Celso Daniel, o que é ainda mais grave. Se confirmado o depoimento de Marcos Valério, de que os valores lhe foram destinados em extorsão de dirigentes do Partido dos Trabalhadores, a conduta é ainda mais grave, pois, além da ousadia na extorsão de na época autoridades da elevada Administração Pública, o fato contribuiu para a obstrução da Justiça e completa apuração dos crimes havidos no âmbito da Prefeitura de Santo André.”

Por algum motivo não questionado aos procuradores da Lava Jato, a Carbono 14 chegou às mãos de Sergio Moro já sem interesse nenhum em aprofundar esse tema. Usaram Celso Daniel para atrair mídia e, depois, trataram o caso como “irrelevante” para um processo limitado à lavagem de dinheiro.

À imprensa, um dos procuradores chegou a dizer que faria um “intercâmbio” com o MP de São Paulo caso descobrissem detalhes sobre o caso Celso Daniel – considerado crime comum pelo Supremo Tribunal Federal. Sem mais notícias, desde então.

Moro proferiu a sentença admitindo que “resta ainda obscuro o motivo do repasse desses valores, ou seja, qual o interesse de agentes políticos do Partido dos Trabalhadores em obter recursos no Banco Schahin e destiná­los em benefício de Ronan Maria Pinto? A única explicação nos autos foi concedida por Marcos Valério Fernandes de Souza e por Alberto Youssef, de que seria para fazer frente a uma extorsão. Quanto ao ponto, porém, as palavras deles estão sozinhas no processo.”

A defesa de Delúbio, em nota, nesta sexta (3), apontou a falta de provas materiais de que ele tenha solicitado que Bumlai tomasse o empréstimo com o objetivo de beneficiar Ronan e Altman, por sua vez, foi absolvido por Moro justamente por constar contra ele, assim como contra Delúbio, apenas delações e outros depoimentos.

Para Moro, contudo, os antecedentes de Delúbio (condenado no Mensalão) e sua posição dentro do PT (tesoureiro, à época dos acontecimentos) o coloca numa situação complicada, somado ao fato de que ele teria sido “evasivo” em vários depoimentos ao juiz.

“Tendo as operações de ocultação e dissimulação seguido o plano e o objetivo criminoso de Delúbio Soares de Castro, deve ser ele ser responsabilizado pelo crime de lavagem de dinheiro”, decidiu o magistrado.

“Oportuno destacar a similitude dos fatos apurados neste processo com parte daqueles que foram objeto da Ação Penal 470, inclusive com a participação, em parte das mesmas pessoas e empresas, como Delúbio Soares, Enivaldo Quadrado e Marcos Valério Fernandes de Souza [na Carbono 14, absolvido], apesar da desistência deste último. Segue-se o mesmo modus operandi da concessão de empréstimo fraudulento, a pessoa interposta, por instituição financeira, no interesse de agentes do Partido dos Trabalhadores, e com posterior direcionamento, com ocultação e dissimulação, a terceiros, com a diferença que nesse caso o beneficiário não é agente público”, lembrou Moro.

Na grande mídia, silêncio sobre as promessas não cumpridas pela Lava Jato.

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