‘Reforma da Previdência é brutal e injusta’, diz economista
Autora da tese de doutorado “A falsa crise da Seguridade Social no Brasil: uma análise financeira do período 1990-2005”, a professora de Economia da UFRJ Denise Gentil afirma que afirma que 79% dos aposentados por idade em 2015 não conseguiram contribuir por 25 anos; dessa forma, eles estariam fora das novas regras e não conseguiriam se aposentar caso elas já estivessem em vigência; “Essa proposta é descabida, brutal e injusta. Não só porque o governo vai levar a população a um empobrecimento brutal, mas uma parte enorme dos brasileiros vai ficar excluída”, afirmou.
23 de Abril de 2017 às 09:25
Por Felipe Gelani, Jornal do Brasil – Mesmo com a aproximação da votação do projeto de reforma da Previdência Social no Congresso, ainda há incertezas se as propostas defendidas realmente são essenciais para a salvação da economia do país, ou mesmo justa para a maior parte da população. Apesar de o governo afirmar que as mudanças nas regras são essenciais, especialistas questionam os argumentos. “Essa proposta é descabida, brutal e injusta. Não só porque o governo vai levar a população a um empobrecimento brutal, mas uma parte enorme dos brasileiros vai ficar excluída”, afirmou a professora de Economia da UFRJ Denise Gentil.
Autora da tese de doutorado “A falsa crise da Seguridade Social no Brasil: uma análise financeira do período 1990-2005”, Denise afirma que 79% dos aposentados por idade em 2015 não conseguiram contribuir por 25 anos. Dessa forma, eles estariam fora das novas regras e não conseguiriam se aposentar caso elas já estivessem em vigência.
Uma das principais justificativas do governo para a reforma é a defesa de que as contas do Orçamento da Seguridade Social – que trata dos gastos com aposentadorias, pensões, assistência social e saúde – estariam no vermelho, como afirmou o ministro do Planejamento Dyogo Oliveira no final do ano passado. “Mesmo que fossem retiradas as desonerações, estimadas em R$ 55 bilhões [em 2016], haveria um déficit de R$ 190 bilhões [na Seguridade Social]”, disse o ministro na época.
Porém, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais na Receita Federal (Anfip) defende que as contas do Orçamento da Seguridade Social deveriam estar com o saldo positivo, caso o governo levasse em consideração uma série de fatores.
Denise, que é membro da Anfip, explica que esse é um debate antigo. “Há mais de dez anos um conjunto de economistas chegou à conclusão de que a Constituição Federal deixa claro que a Seguridade Social tem cinco fontes de receita. A Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), a receita de concursos de prognósticos e a contribuição ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Tudo isso está expressamente garantido no artigo 195 da Constituição e acintosamente não é levado em consideração na conta do governo.”
Segundo ela, a única das cinco fontes de receita levadas em consideração pelo governo é a contribuição ao INSS, que incide sobre a folha de pagamento, diminuindo dessa receita o valor dos benefícios pagos aos trabalhadores. “Como o governo subestima as receitas, o resultado é claramente deficitário.”
O cálculo do governo, além de subestimar as receitas, coloca dentro das despesas os militares e o funcionalismo público, que não pertencem ao sistema de Seguridade Social. Vale lembrar que militares não têm idade mínima de aposentadoria e vão para a reserva com 30 anos de contribuição. A contribuição previdenciária dos militares é de apenas 7,5% do salário bruto, contra 11% dos civis.
De acordo com a professora, “militares possuem um regime previdenciário próprio regulado pelo artigo 42 da Constituição. Os funcionários públicos são regidos pelo artigo 40. Se a Constituição achasse que esses regimes fossem da mesma natureza que os da Previdência Social, eles estariam unificados no artigo 201”.
Ela reiterou: “Seria injusto considerar esse gasto, já que o funcionário público tem direitos diferentes. Se houvesse uma reforma, ela deveria tratar do funcionário público, não o do setor privado. Falo isso mesmo sendo uma funcionária pública. As três condições (militares, funcionários públicos e privados) não deveriam ser misturadas pois são diferentes. Estão inclusive em capítulos diferentes da Constituição.”
O artigo 40 diz: “Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.”
Na visão da professora, há outra interpretação que justificaria os motivos do governo para alegar que a Previdência é deficitária. “Se o governo colocasse na conta só os funcionários da iniciativa privada, resultando em superávit, a elite empresarial iria reclamar. Vão se perguntar por que deveriam contribuir com tantos impostos já que a Previdência é superavitária”, afirmou.
Ela ressaltou que o grande debate atual é a questão do Novo Modelo Atuarial. “O governo afirma que no futuro haverá um déficit, que é inevitável. Esta é a posição do governo que norteia a medida que eles querem aprovar. Então fizemos um estudo deste modelo atuarial, e descobrimos que o modelo do governo tem inconsistências.”
De acordo com uma nota técnica publicada pela Anfip em abril, chamada de “As fragilidades do novo modelo atuarial do regime geral da Previdência Social”, os documentos enviados pelo governo que responderiam as questões sobre os impactos socioeconômicos da reforma não só não possuem respostas a essas perguntas, como superestimam as despesas e subestimam as receitas da Previdência.
Segundo o estudo, os cálculos do governo aumentam artificialmente os gastos previdenciários para os próximos anos. “A partir de 2022 observa-se que o crescimento real do salário mínimo é maior do que o crescimento real do PIB previsto pelo modelo. Esse é um dos motivos pelos quais os gastos previdenciários, medidos em percentagem do PIB, sobem no longo prazo, indo de 8,26% do PIB em 2017 para 17,2% em 2060”, diz o estudo.
Além disso, as estimativas populacionais do governo, segundo o estudo, superestimam a população de idosos e subestimam a população de jovens, distorcendo os indicadores do mercado de trabalho. “O uso adequado de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) requer ajustes de sexo, idade e região no cálculo dos pesos amostrais. Como o modelo do governo não realiza esses ajustes, a população brasileira está mais envelhecida na Pnad do que nas Projeções Populacionais do IBGE.”
O estudo ainda detalha: “Para se ter uma ideia da diferença entre as duas fontes, no ano de 2014, a distribuição da população segundo a projeção populacional 2000-2060 apontava uma população acima de 50 anos de 43,9 milhões de pessoas, enquanto a Pnad, 50,9 milhões, uma diferença de 7 milhões de pessoas nessa faixa etária”, com o governo utilizando o valor maior para suas contas.
A análise feita pela Anfip também aponta que as estimativas populacionais do governo também subestimam a contribuição da força de trabalho para a receita previdenciária. “No modelo, as variáveis do mercado de trabalho são calculadas com base nos dados da Pnad de 2014. Para essas variáveis, com exceção da taxa de participação, foi adotada a hipótese de que elas se manteriam constantes ao longo do tempo. A taxa de urbanização e a taxa de ocupação, por exemplo, são mantidas no mesmo nível de 2014 para todos os anos projetados.”
O estudo conclui lembrando que a taxa de participação no mercado de trabalho em 2014 se encontrava em nível baixo, devido à crise econômica atravessada pelo país já no período, afetando negativamente o número de contribuintes para o Regime Geral no longo prazo, e portanto, subestimando a receita previdenciária.
A nota foi produzida pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial (SindCT), além da Anfip.
Outro livro publicado no site da Anfip, chamado “Previdência, reformar para excluir?” apresenta alternativas à reforma da Previdência Social. “No que diz respeito ao financiamento do sistema previdenciário, elas interagem […] com as políticas econômica e social. Quando elas promovem a redução no nível do desemprego, o aumento dos salários e do ritmo de adesão dos trabalhadores ao sistema, e incentiva a participação de mais pessoas no mercado de trabalho, afetam positivamente as contas da Previdência.”
Em uma série de outras contra-propostas à reforma da Previdência, como desonerações e reduções de taxas e aplicação correta das contribuições, o texto também classifica a importância da fiscalização sobre as relações de trabalho. “A liberação da terceirização – inclusive com a possibilidade de terceirização em cadeia, intensificando a rotatividade – e a prevalência do negociado sobre o legislado, apontam no sentido contrário, de enfraquecimento da remuneração do trabalho e expansão das modalidades informais e ilegais de contratação, fragilizando a sustentação da Previdência e da Seguridade Social, no médio e longo prazo.”
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já antecipou que o texto da reforma da Previdência Social só deve ser votado a partir do dia 8 de maio. Apesar de a proposta final para a reforma ter sido apresentada nesta semana, ainda existe a possibilidade de haver alterações da medida.
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