O risco do TRF4 adiar o julgamento de Lula, por Helena Chagas
Jornal GGN – Ninguém deve se surpreender se o Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidir adiar o julgamento de Lula, agendado para o próximo dia 24. Um pedido de vista por parte dos desembargadores é possível, assim como adiamento a pedido da defesa, para que haja sustentação oral. Essa segunda via foi verbalizada pelo presidente do TJSP, em entrevista ao Estadão desta quinta (11).
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Se o TRF4 adiar o julgamento, os movimentos em apoio a Lula devem arrefecer e não se sabe se terão recursos para tentar reproduzir o apoio em outra data.
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Mas não deixa de ser uma faca de dois gumes para o próprio tribunal, porque “embora acalme momentaneamente a fervura, o fará voltar algumas casas no jogo e aumentar a pressão. Afinal, o julgamento tem que sair.”
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Por Helena Chagas – Em Os Divergentes
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Conflagração em Porto Alegre pode adiar julgamento de Lula
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Nos meios jurídicos, que estão em recesso só na aparência, há quem já aponte certo traço de arrependimento entre integrantes do TRF-4. A conflagração em torno do dia 24 em Porto Alegre está sendo muito maior do que se esperava. Por isso, ninguém ficará surpreso se, em meio ao vai-e-vem dos recursos e prolegômenos jurídicos, o julgamento do ex-presidente Lula seja adiado. No mínimo, esvaziaria a megamanifestação que PT e simpatizantes estão organizando.
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A ideia foi verbalizada pela primeira vez nesta quinta, pelo presidente do Tribunal de Justiça de S.Paulo, Manuel de Queiroz Pereira Calças, em entrevista ao Estadão. Ele acha que o julgamento será adiado por um pedido de sustentação oral dos advogados, que se for aceito na preliminar poderá marcar o julgamento para outra data. Não há como negar que seria um alívio para muita gente, inclusive no próprio TRF-4.
Na verdade, está todo mundo com medo. O tribunal e as autoridade locais, temendo a reação dos manifestantes logo após a possível condenação. Numa atitude inédita, na tentaiva de acalmar os espíritos, o TRF-4 soltou nota no início da semana explicando que não, Lula não irá para a cadeia mesmo que tenha sua condenação e sua pena de nove anos confirmadas no dia 24. Ainda há outros recursos pela frente.
Mais do que acalmar, a Corte colocou mais lenha na fogueira, sobretudo pelo inusitado de discutir em nota oficial uma condenação que sequer foi decidida ainda, num claro traço de pré-julgamento. A isso se juntaram fatos anteriores que já vinham sendo questionados pelos simpatizantes do petista, Como o tempo recorde para julgar o processo de Lula, passando-o na frente de uma série de outros, sendo sete na Lava Jato.
O TRF-4 começou a apanhar bastante, sobretudo nas redes sociais, e a mobilização do PT pode transformar Porto Alegre numa praça de guerra no dia 24. E aí entram os temores da cúpula do partido, que está correndo a explicar que não apoiará qualquer ato de violência, avisando que não terá ninguém mascarado e alertando para possível infiltração de provocadores.
Para o Tribunal, o adiamento é uma faca de dois gumes porque, embora acalme momentaneamente a fervura, o fará voltar algumas casas no jogo e aumentar a pressão. Afinal, o julgamento tem que sair. Para Lula e os petistas, o adiamento seria ótimo por dar mais tempo a Lula para seus recursos, aumentando as chances de ele chegar candidato a outubro. Por outro lado, esvazia a manifestação planejada, sem garantias de que haverá recursos e condições de repeti-la com tanta força numa outra data.
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Judiciário quer nomear ministros: sugiro para a Saúde um não fumante!, por Lenio Luiz Streck
Imagem: Reprodução
Do ConJur
Judiciário quer nomear ministros: sugiro para a Saúde um não fumante!
por Lenio Luiz Streck
A coluna também poderia ter o seguinte título: Alguém que trai a esposa(o) pode ser ministro(a)?
Esta coluna não está preocupada com o destino nem do Ministério do Trabalho e nem da quase-ministra deputada Cristiane Brasil. O que quero discutir é o aspecto simbólico da interferência do Judiciário em assuntos que não são de sua alçada. Uma das grandes vantagens (talvez a única) de criticar o ativismo judicial e as arbitrariedades do Poder Judiciário no Brasil, como venho fazendo desde o século passado, é que nunca tive problema de “falta de material”. Todo santo dia aparece alguma decisão arbitrária e, mesmo que já tenha visto quase de tudo nessa vida, não paro de ser surpreendido. No meu ofício acadêmico, penso que jamais sofrerei de tédio.
Dessa vez, o juiz da 4ª Vara Federal de Niterói (RJ) resolveu suspender a nomeação da deputada Cristiane Brasil ao cargo de ministra de Estado do Trabalho, pelo fato de que essa nomeação afrontaria a moralidade pública, já que a deputada teria sido condenada em duas reclamatórias trabalhistas.
Pois bem. Dentre as 27 atribuições do presidente da República previstas na Constituição do Brasil, a primeira delas deixa claro que é de sua competência privativa nomear e exonerar ministro de Estado (artigo 84, I da CF/88). O argumento de que a deputada seria imoral para ocupar o cargo, pelo fato de que já foi condenada por duas reclamatórias trabalhistas, é redondamente frágil.
“Mas professor, o senhor quer dizer que a (Não-quase-ou-de-novo) ministra tem moral para o cargo? O senhor gosta dela?”. Não, não quero dizer isso. Nem quero dizer o contrário. Isto porque sou jurista, não sou comentarista político, e é por isso que não interessa o que eu acho, o que eu penso nesse sentido, assim como não interessa o que pensa o juiz. Juiz tem responsabilidade política e é subjacente a essa responsabilidade a tarefa de decidir, não de escolher.
É por isso, pois, que a decisão é frágil. Nem estou dizendo que a argumentação moral, a argumentação política e a retórica são frágeis. Não importa. A argumentação jurídica — essa, sim, a que importa de verdade — é frágil justamente porque se afasta da racionalidade própria do Direito. Quando a nomeação de Lula foi barrada, protestei; quando a nomeação de Moreira Franco foi barrada, protestei do mesmo modo. Por isso, protesto, aqui, mais uma vez contra o ativismo.
Legitimar uma decisão ativista porque concordamos com a racionalidade moral ali pressuposta nada mais é do que legitimar que o Direito possa ser filtrado pela moral. E se aceitarmos que o Direito seja filtrado pela moral, e peço desculpas por fazer as perguntas difíceis, indago: quem vai filtrar a moral? É esse o ponto. Alguém tem de ser o chato da história. Não podemos aceitar o ativismo que agrada. Isso é consequencialismo puro, e devemos rejeitá-lo por uma questão de princípio. Do mesmo modo um réu não pode ser condenado porque o juiz não gosta dele. E nem o réu deve ficar preso porque o juiz fundamenta no clamor social, como se houve um aparelho chamado clamorômetro. Ou como as pessoas que queriam fazer interpretação extensiva ou analogia in malam partem no caso do ejaculador (ver aqui).
Agora dito isso, tomemos emprestado o pessimismo de Kelsen por um momento e aceitemos, para fins de argumentação, que o Direito é assim mesmo e que juiz faz ato de vontade. Se a decisão for mantida (no segundo grau já foi), e o precedente tornar-se obrigatório (quanta gente adora esse stare-decisis-que-não-é-stare-decisis no Brasil, né?), gostaria de sugerir ao presidente, doravante, algumas observações na nomeação dos seus ministros. Dizem que conselho, se fosse bom, não seria de graça. De qualquer forma, lá vão eles:
Penso que se o ministro da saúde fumar, deve ser descartado. Um bom ministro da Saúde deve praticar jogging diariamente. Deve comer salada e assistir o programa Bem Estar na Globo todo dia. O ministro da saúde também não deve ter halitose. E não pode ser gordo. Heráclito Fortes seria vetado.
O ministro da Defesa precisa saber lutar judô. Ou boxe. Se for algum lutador de MMA, melhor ainda. Deve ser feita, ainda, uma pesquisa da vida do ministro, para apurar se foi alvo de bullying na escola. Se sim, deve ser descartado, afinal, que ministro da defesa é esse que sequer conseguiu se defender? É preferível nomear o valentão que fez o bullying.
O ministro das Cidades não pode ser alguém que morou no interior; e o ministro da Agricultura não pode ser alguém que morou na cidade. O ministro da Educação deve sempre dizer “bom dia”, “por favor” e “obrigado”. Se houver qualquer registro de que ele não o fez, é imoral para o cargo. O Ministério da Cultura…. bem, esse eu acho que vai ter que acabar mesmo. Sem chance de resolver esse problema. É que ele deveria saber tudo sobre Machado de Assis, Shakespeare, mas parece crime impossível.
Falando sério agora. Seríssimo: desculpem a ironia, desculpem as perguntas chatas, desculpem a insistência em coisas que, para alguns, já estão ultrapassadas, como força normativa da Constituição, legislação, enfim. Mas isso precisa ser dito. Afinal, se o juiz escolhe como quer, não há critérios, e não mais poderemos exigir o cumprimento da lei. E aí não adianta reclamar do ativismo só quando ele incomoda. (Talvez não tenha ficado claro, mas eu não subscrevo a essas teses que alguns têm levantado, inclusive em livros, de que o ativismo é bom.)
Numa palavra final: se a racionalidade jurídica for substituída pela racionalidade moral, não servimos para nada. Fechemos as faculdades de Direito e matriculemo-nos todos em faculdades de filosofia moral.
Ainda: se a decisão for mantida, teremos que, por coerência e integridade (artigo 926 do CPC) perscrutar/sindicar todos os cargos de livre nomeação. Por exemplo, o presidente do TCU quer nomear João Antônio das Neves para seu chefe de gabinete… só que ele foi multado em duas blitzes ou não pagou o carnê das lojas Renner. Pode ser nomeado? Isso é pior ou menos ruim do que ter duas reclamatórias trabalhistas? O prefeito de Pedregulho das Almas quer nomear Sofrício Ataualpa para uma secretaria…, mas ele não pagou o caderninho da venda ou foi visto saindo de um lugar suspeito de mulheres de vida difícil na periferia. Cabe ação popular? Vai liminar aí?
Eis aí, de novo, a diferença entre Direito e moral. Entre a racionalidade jurídica e os argumentos morais. Ou a moralização do Direito. Não se pode olhar a política como ruim a priori.[1] Se o presidente erra na nomeação de um ministro, o ônus é dele. É o ônus da política. Se não fosse “por nada”, não há previsão constitucional que autoriza o judiciário barrar esse tipo de ato administrativo sob argumentos subjetivos.
[1] Nesse sentido, a excelente análise de Eloisa Machado de Almeida, Folha de S.Paulo de 10.1.2018: “Suspensão de posse de ministra não deveria ser questão jurídica”.
Lenio Luiz Streck é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito.