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Privilégios ilegais = corrupção: Nota da Associação dos Juízes em defesa de auxílio moradia do juiz Bretas e da esposa lembra A Revolução dos Bichos: alguns são mais iguais do que outros

Nota da Associação dos Juízes em defesa de Bretas lembra A Revolução dos Bichos: alguns são mais iguais do que outros.

 Bretas e Moro na première do filme da Lava Jatoa

A Associação dos Juizes Federais do Rio de Janeiro e Espírito Santo divulgou nota para defender Marcelo Bretas das críticas por receber auxílio-moradia, embora sua mulher, também juíza, já receba. Eles moram na mesma casa e recebem dois auxílios-moradias.

A Associação faria melhor se tivesse ficado em silêncio. Defende o indefensável: privilégios. E faz isso como se juízes  precisassem de vantagens para exercer sua atividade.

Cita a Constituição, artigo 93, inciso VII, que determina aos juízes fixarem residência na sede do juízo onde trabalham. Para isso, ou o Estado lhe oferece residência, ou lhe paga verba extra para alugar um imóvel. Até aí, tudo certo, embora verbas extras não devessem, em nenhuma hipótese, ultrapassar o teto constitucional, e não é o que acontece.

Mais grave é quando o cônjuge do magistrado já recebe auxilio-moradia, e o juiz faz como Bretas: recorre ao Judiciário para um colega juiz também lhe garanta o benefício. Tudo em casa. A Associação dos Juizes Federais engrossou o pelotão, ao censurar a Folha de S. Paulo, que noticiou a mamata, como esse essa notícia fizesse parte de uma campanha para desmoralizar juízes.

Ora, notícias, quando verdadeiras, só desmoralizam quem já não tem moral.

“A constante campanha para tentar desmoralizar os juízes federais brasileiros, portanto, pretende não só subtrair um direito como denegrir a honra dos que hoje mais se empenham em coibir o maior dos males da Administração Pública brasileira, a corrupção organizada e voraz, responsável pelo atraso e por milhares de mortes nas filas de hospitais, crianças sem escola, idosos abandonados e ausência de saneamento básico e segurança pública por todo o país”, disse a Associação.

Esse é o tipo de demagogia que obriga a se pensar em atualizar o conceito de cinismo. O que provoca os males apontados pela Associação é o mau uso do dinheiro de todos — e isso inclui a corrupção, e também o pagamento de verbas moralmente injustificadas a quem já desfruta de privilégios, como poder receber acima do teto.

Qual a diferença entre o auxílio-moradia dado a Bretas e a Jair Bolsonaro — este recebeu, embora tivesse apartamento em Brasília. O capitão da reserva foi, pelo menos, mais sincero que os juízes que aprovaram a nota da Associação, e admitiu que usou o dinheiro para “comer gente”.

Se Bretas e a mulher moram juntos, mas recebem duplo benefício, fica a pergunta: o que fazem com um dos benefícios? Seria o caso de enriquecimento ilícito?

A Associação acusa os jornalistas de tentarem “confundir os cidadãos brasileiros e reafirma o propósito da Justiça Federal em aplicar a lei de forma igual e imparcial para todos.” Poderia começar vetando vantagens insustentáveis. Mais não é isso o que fazem, e não é de hoje.

Na Constituinte, em 1988, organizados em fortes grupos de pressão, conseguiram benefícios que a nenhuma outra categoria de servidores é permitido. É por isso que é comum receberem muito acima do teto constitucional.

Nos Estados, têm direito a duas férias por ano, mas, em geral, só tiram uma — a outra vendem, para engordar o salário, já muito elevado.

Na última reforma da Previdência, em 1997, conseguiram se manter com privilégios, com tempo de serviço diferenciado e acima do teto. Durante as discussões, o então presidente do Supremo Tribunal Federal, Celso Mello, foi de noite ao Palácio do Alvorada negociar vantagens para a classe.

É Fernando Henrique Cardoso quem narra o episódio, na página 296 do volume 2 do “Diários da Presidência”. Ele já havia recebido o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ermes Pedrassani, para uma audiência que, a princípio, era para discutir reforma trabalhista. Mas o presidente do TST se ocupou de outro tema. “Para minha surpresa, ele estava preocupado com a reforma dos magistrados”, disse.

Logo depois, se encontrou com Celso  de Mello, a pedido deste: “Na audiência, mencionou a mesma questão. Não em nome dele, que é favorável à universalização dos princípios, mas em nome da magistratura, que deseja um estatuto especial para os magistrados.” Com a reforma, os magistrados sofreriam um corte de 30% nas aposentadorias.

Governo e congresso recuaram, não porque seria injusto (as demais categorias tiveram redução), mas por medo dos juízes. Disse Fernando Henrique, como está registrado na página 316:

“Vai ficar mal perante a opinião pública, mas talvez viabilize a reforma, até porque o Tribunal tem força para atrapalhar se não houver alguma concessão ao corporativismo deles”.

Alguns meses depois, na discussão do teto, FHC aceitou na redação final da emenda uma expressão que poderia sair do livro “Revolução dos Bichos”, de George Orwell: ficou decidido que o teto seria igual para todos, “no que couber”, respeitado o disposto no Estado da Magistratura, que dá base à mamata que Bretas recebe.

No Brasil de hoje, como no livro de Orwell, que narra a revolução em uma fazenda que permite privilégios a porcos, alguns animais são mais iguais do que outros.