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Notícias falsas e processos contra a Veja ajudam a cavar prejuízo de R$ 768 milhões da Editora Abril; Tiragem mensal da revista veja caiu de 1,2 milhão para cerca de 300 mil e agrava prejuízos do grupo; Consultoria aponta dúvida para "continuidade operacional"

Fake news e processos contra a Veja ajudam a cavar prejuízo de R$ 768 milhões da Editora Abril. Por Miguel Enriquez

A Veja

POR MIGUEL ENRIQUEZ

Embora esteja no DNA da Veja, o recente surto de manipulação, difamação e veiculação de fake news seguramente recebeu uma contribuição milionária da precária situação financeira do grupo editorial da família Civita.

Na ânsia de recuperar vendas e receitas, que chegaram aos níveis mais baixos das últimas décadas em termos reais, a revista voltou com tudo ao seu alvo predileto: Lula e o PT, como mostra a reportagem de capa de sua última edição, em que pretende retratar o cotidiano do ex-presidente encarcerado no QG da Polícia Federal em Curitiba.

A PF desmentiu a reportagem. Quem está falando a verdade, jamais saberemos.

Carro-chefe da Editora Abril, que pena com a liquidação de ativos, fechamento de publicações e cortes agressivos de funcionários, a Veja procura com urgência urgentíssima recuperar sua circulação e a lucratividade para impedir a implosão do grupo.

Sedizente a quarta maior publicação do gênero no mundo, a semanal, que durante muitos anos proclamou ter uma circulação superior a 1,2 milhão de exemplares (entre a edição impressa e digital), começou a ser questionada pelo IVC, o instituto que mede a tiragem da mídia impressa.

Numa primeira tentativa, a ideia foi reduzir para 900 mil a circulação, o que ainda lhe garantiria o posto de principal semanal do país e, seguramente, ajudaria a manter preços mais elevados para sua tabela de anúncios.

Não colou, já que o IVC teria questionado aquele volume por conta do que é conhecido como “assinaturas doentes”, expressão que designa a distribuição gratuita aos leitores.

Resultado: há alguns meses, a informação sobre a tiragem, tradicionalmente registrada na parte inferior da página ocupada pelo índice de notícias e reportagens, sumiu do mapa.

Segundo pessoas que acompanham mais de perto a agonia da Abril, o número estaria entre 500 mil, na hipótese mais benigna, e 300 mil, na mais realista.

Responsável no passado por cerca de dois terços do lucro da Abril, a decadência da Veja se reflete diretamente nos resultados dos negócios dos herdeiros do empresário Roberto Civita, morto em maio de 2013. 

A crise, que já se manifestava antes da morte de RC, como era conhecido, entrou em queda livre desde então.

Basta ler os balanços do grupo, auditados pela PricewaterhouseCoopers (PwC), para verificar o tamanho da encrenca.

De acordo com o relatório dos auditores publicado no dia 30 de abril, a companhia, com um prejuízo de R$ 331,6 milhões em 2017, continuou e ampliou a trajetória de perdas, que apenas nos últimos três anos totalizaram R$ 768,1 milhões.

Essa dinheirama representa nada menos que 81,3% do faturamento líquido no ano passado. Por outro lado, o resultado decepcionante de 2107 repercutiu na saúde financeira da Abril.

Mais precisamente sobre o patrimônio líquido negativo de R$ 715,9 milhões, contra os R$ 414,2 milhões negativos exibidos em 2016.

Com isso, o endividamento também passou a ser preocupante: até 2024, o grupo terá de pagar aos credores de empréstimos e financiamentos R$ 1,2 bilhão, dos quais R$ 359 milhões até o fim de 2019.

Munindo-se de todas as cautelas possíveis, a auditoria avaliou esses números e seu impacto sobre o futuro da Abril.

Essa situação, entre outras descritas na Nota 1.2, indicam a existência de incerteza relevante que pode levantar dúvida significativa sobre sua continuidade operacional”, diz o relatório.

O quadro de incertezas é reforçado pelos processos em andamento contra o grupo nas esferas tributária, trabalhista e cível.

De acordo com a PwC, no balanço deste ano a Abril fez uma provisão no valor de R$ 57,8 milhões para atender demandas judiciais de processos com perda “provável”.

Mas o que assusta mesmo os executivos do grupo e auditores é o espectro das dívidas cujos processos são identificados com a probabilidade de perda possível.

Elas somam a bagatela de R$ 1,1 bilhão e se concentram nos débitos tributários em discussão na Justiça.

Giancarlo Civita, presidente da Abril: de mudança

Sob esse guarda-chuva abrigam-se autuações feitas pelo governo federal por dívidas com tributos e taxa como o Pis-Cofins, ICMS e Imposto de Renda, entre outros, totalizando R$ 957,4 milhões – somente os débitos com a Receita Federal ascendem a R$ 697 milhões.

Já na esfera cível, décadas e mais décadas de uma opção preferencial pela prática do assassinato de reputações e fake news também cobram seu preço, a despeito do tratamento privilegiado e amistoso que a Abril acostumou-se a receber de certas esferas do Judiciário.

Nesse departamento, os processos totalizam R$ 162,5 milhões. Trata-se, como afirma a auditoria, “de solicitações de indenizações por danos morais ou materiais decorrentes das operações ou pelas divulgações principalmente nas revistas da companhia.”

Da enxurrada de casos, dois ainda em fase de discussão nos tribunais sobressaem. Um deles, no valor de R$ 34,9 milhões é movido por um prestador de serviços de distribuição de revistas.

O segundo e maior deles, da ordem de R$ 67,7 milhões, refere-se a reclamação por danos decorrentes do vejismo que contaminou as redações da casa.

A publicação do balanço, auditado pela PricewaterhouseCoopers, coincidiu com o início da mudança de endereço da diretoria e do que resta do outrora portentoso portifólio de marcas.

Até o fim de maio, o grupo terá abandonado definitivamente o suntuoso edifício de 24 andares que ocupava na marginal do Rio Pinheiros.

Vai para dois prédios de quatro andares mais acanhados e distantes, do outro lado do Pinheiros, no condomínio América Business Park, no Jardim Morumbi. 

Ali, Giancarlo Civita, o primogênito de RC, tentará inutilmente o que outros executivos mais experientes e competentes do que ele não conseguiram: recolocar nos trilhos e mitigar a agonia em que está mergulhada a combalida empresa que herdou do pai — e que pode morrer em suas mãos.

Caso a trajetória de prejuízos não seja interrompida, há internamente quem admita que não restará outra alternativa para a Abril que não seja a recuperação judicial, a exemplo do que aconteceu com sua coirmã Editora Três, que mesmo amparada pelo benefício desde 2007, segue em profunda crise financeira.