O ofício enviado pelos procuradores da Lava Jato à Procuradoria Geral da República no sentido de analisar a suspeição ou impedimento de Gilmar Mendes para atuar no caso do ex-presidente da Fecomércio no Rio, Orlando Diniz, escancara a balança com dois pesos e duas medidas usada pelo Ministério Público Federal.
A situação é idêntica à que vive Sergio Moro, mas sobre o juiz de primeira instância em Curitiba — ícone da Lava Jato — os procuradores não dizem uma palavra. Aos fatos:
Orlando Diniz foi preso em fevereiro deste ano, por decisão do juiz Marcelo Bretas, da 7a. Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro, pela suspeita de envolvimento em crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Na semana passada, Gilmar Mendes, analisando habeas corpus impetrado pela defesa de Orlando Diniz, preso desde fevereiro, determinou sua libertação, sob argumento que a prisão era exagerada, na verdade uma forma de punição anterior à pena, já que o encarceramento não prejudicaria o andamento do processo.
Por isso, mandou soltá-lo e determinou “medidas cautelares menos gravosas” do que a prisão, especificamente proibiu contato com demais investigados e mandou entregar o passaporte.
O Ministério Público Federal, que pediu a prisão, acha que Gilmar Mendes não tem isenção para analisar o caso pelo fato de que a escola que fundou — e é gerida por sua família —, o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), recebeu patrocínio da Fecomércio para realização de eventos, em que a palestra da Gilmar Mendes é a principal atração.
Os procuradores citam uma transferência da Fecomércio no valor de R$ 50 mil para o IDP.
Deixando de lado a atuação intensa da Fecomércio no patrocínio de palestras, inclusive para jornalistas do alto escalão do Grupo Globo, como Merval Pereira, é preciso destacar que, no caso de Gilmar Mendes, o papel do Ministério Público apresenta alto grau de incoerência.
Se Gilmar Mendes não pode analisar nenhum fato relacionado ao ex-presidente da Fecomércio, Sergio Moro deveria deixar hoje mesmo as ações relacionadas à Petrobras, entre elas a que motivou o processo pelo caso do triplex do Guarujá, que mantém na cadeia o ex-presidente Lula.
Há quase um mês, Sergio Moro foi homenageado pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos com o título de Personalidade do Ano, em cerimônia realizada em Nova York, que teve o patrocínio da Petrobras, responsável pela aquisição de um grande número de mesas e contou inclusive com a presença do então presidente da empresa, Pedro Parente.
Moro também realizou palestra em evento organizado pelo Grupo Lide, de João Doria, que teve o patrocínio do escritório de advocacia Nélson Wilians, que é advogado contratado pela Petrobras.
No mundo ideal, tanto Gilmar Mendes quanto Moro deveriam se manter distantes de casos em que houvesse a simples aparência de falta de imparcialidade.
Não pode haver dúvida quanto à neutralidade do juiz, para a boa imagem do Poder Judiciário, pilar da democracia.
Mas não é assim que acontece no Brasil, e se torna cada dia mais evidente que, em decisões de certo juízes, há muito mais sob análise do que fatos relatados no processo.
Ao silenciar sobre Moro e atacar Gilmar Mendes, o Ministério Público Federal, um órgão autônomo, em tese independente do Judiciário, mostra que tem pautado suas ações não com base na lei e na Constituição, mas na estratégia de alcançar aqueles que considera inimigos. Ainda que contra esses inimigos não tenha provas, mas apenas indícios e convicção.