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As eleições municipais e a busca do novo com discernimento, por Luis Nassif – As eleições são a oportunidade dos cidadãos locais retomarem o controle sobre as ações do Estado. 

Xadrez das eleições municipais e a busca do novo com discernimento, por Luis Nassif

Eleições municipais são a oportunidade dos cidadãos locais retomarem o controle sobre as ações do Estado.

Peça 1 – os discursos do ódio e da solidariedade

Períodos de grandes mudanças provocam uma insegurança generalizada em relação ao futuro. Há insegurança social, econômica e política, e uma necessidade de buscar grupos de afinidade, de autoproteção, uma referência que sirva de âncora em meio à tempestade.

São momentos que tornam as massas suscetíveis a duas espécies de discursos mobilizadores: o da solidariedade e o do ódio.

Nos anos 30, a humanidade foi salva porque, nos Estados Unidos, o New Deal, de Roosevelt, conseguiu mobilizar o melhor da sociedade americana, em um esforço de unir o país pela solidariedade. Na Alemanha Nazista, uniu-se pelo ódio.

Na eleição de Obama, enquanto a direita, aliada a grupos de mídia, se valia de métodos científicos para disseminar o ódio e o preconceito nas redes sociais, a reação surgiu nas próprias redes sociais por grupos de militantes, voluntários, ajudando na vitória de Obama e na derrota do modelo Fox News.

No Brasil, no início das grandes mudanças trazidas pelas redes sociais, os jovens progressistas foram os primeiros a dominar as novas ferramentas de mobilização social. Era a rapaziada que participava do Fórum Social Mundial, que organizou o Movimento do Passe Livre, a fantástica ocupação das escolas secundárias, movimentos pioneiros e históricos de utilização das novas ferramentas digitais para mobilização.

Essa jovem militância digital, semente da renovação política, foi jogada ao mar. A direita os criminalizou; a esquerda tradicional fechou-lhe as portas, pelo receio das lideranças já estabelecidas, de perder o protagonismo político.

Com a esquerda abandonando a jovem militância progressista, a direita passou a ocupar o espaço virtual com movimentos tipo MBL contando com assessoria externa e, principalmente, os Bolsonaro, montando sua rede sob orientação da ultradireita americana.

No final do processo, o Congresso foi invadido por uma legião de YouTubers de direita, enquanto a jovem militância pioneira se recolhia em suas bolhas. A renovação política foi feita por fundamentalistas, pornógrafos e oportunistas de diversos quilates brandindo o discurso do ódio e do preconceito.

Ao mesmo tempo, Igreja Católica e esquerdas abandonavam as periferias, deixando-as expostas a evangélicos fundamentalistas, ao crime organizado, e ao discurso de ódio.

Portanto, foram dois os fatores que, nas últimas eleições, levaram ao predomínio da extrema direita: a completa alienação das pessoas em relação às políticas públicas implementadas, e o controle das redes pela ultradireita fundamentalista. E não foi um fenômeno especificamente brasileiro.

Peça 2 – em 2018, as eleições Cacareco

As eleições de 2018 foram padrão Cacareco – o rinoceronte eleito deputado pelo Rio de Janeiro nos anos 60, em protesto contra a política tradicional. Foram eleitas pessoas fora do meio político e, a grande maioria, por fora de qualquer noção de gestão pública.

Tomo o caso da minha cidade, Poços de Caldas. Nas últimas eleições, foi eleito um funcionário público, sem militância partidária. No primeiro mês deu um aumento de 10% para todo o funcionalismo. Hoje em dia a Prefeitura está inadimplente, proibida de contratar crédito e com a folha de pessoal estourada não apenas por aumento indevidos, mas por ações trabalhistas.

Em Minas Gerais, a falta de conhecimento e de traquejo do governador Caetano Zema já se incorporou ao folclore mineiro.

Em muitas localidades, a onda do prefeito empresário ou do prefeito fundamentalista mostrou suas limitações. A administração pública exige uma dose de conhecimento, de sensibilidade política, que não faz parte da formação de vendedores de eletrodomésticos e que tais. E exige conhecimento político para a ocupação de espaços, definição de alianças.

Em muitos locais caiu a ficha da população sobre esse experimentalismo sem discernimento. Em todo caso, foi a primeira etapa para superar o velho. A segunda etapa poderá abrir espaço para o experimentalismo com discernimento, ou aprofundar o fascismo caboclo.

É por aí que devem ser analisadas as eleições municipais de 2022.

Peça 3 – a esperança da renovação com discernimento

Todas as políticas econômicas pós-Constituinte – seguindo um padrão global – tinham como meta favorecer a concentração de renda, a financeirização da economia, o rentismo mais desbragado em detrimento da atividade produtivas.

As políticas públicas, mesmo as socialmente responsáveis e bem concebidas, eram montadas de cima para baixo, gerando uma enorme alienação do cidadão, mesmo em relação a medidas que diziam respeito a ele. Tanto que seu desmonte não provocou reações à altura de sua relevância.

É nesse campo que a direita fundamentalista nadou de braçada: no papel mobilizador do ódio e na alienação ampla dos cidadãos em relação às políticas públicas. O simples ato de espalhar fake news conferiu a seus simpatizantes a sensação de participação que lhes era negada no modelo tradicional.

Agora, chega-se a um momento de corte. Eleições são oportunidades de reorganização social. Existe um fator mobilizador e candidatos empenhados em atrair grupos de eleitores e pensar em propostas mobilizadoras.

As eleições deste ano acontecem em um momento em que, nos grandes centros mundiais, o municipalismo e a descentralização ressurgem como os grande instrumentos de aprofundamento da democracia, da volta da participação social na elaboração das políticas públicas, de reação contra políticas centralizadoras que, nas últimas décadas, foram responsáveis pelo maior processo de concentração de renda da história.

Eleições municipais são a oportunidade dos cidadãos locais retomarem o controle sobre as ações do Estado.

O desafio das candidaturas progressistas será o de levantar ideias inovadoras e mobilizadoras para se contrapor ao discurso do ódio. E iniciar a reconstrução do sistema partidário a partir das sementes que forem plantadas agora.

Peça 4 – o empreendedorismo social

Para inovar nessas eleições, o primeiro passo, será entender a Prefeitura como um instrumento de fortalecimento do empreendedorismo social.

Seu papel principal será promover a organização social dos pequenos – pequenos empresários, movimentos sociais, pequenas manufaturas, hotéis e restaurantes, associações de bairro, produtores rurais etc.

O desenvolvimento de um país não depende de campeões nacionais, os financistas de FHC ou os empreiteiros de Lula, mas dessa estruturação da sociedade, pela capacidade de juntar a ponta e buscar soluções – internas ou monitorando as políticas públicas

Vou voar um pouco, pensando como seria uma gestão inovadora em Poços de Caldas.

1-Zeladoria virtual.

Montagem de um sistema amplo de redes sociais – Internet e WhatsApp – com cadastramento dos usuários de acordo com bairros e grupos de interesse. Esse sistema orientaria o prefeito sobre as prioridades que cada morador tem para sua região. Ao mesmo tempo, serviria para mapear as deficiências dos serviços públicos e fortalecer os conselhos de bairros.

2-Mobilização dos ativistas digitais.

No sul de Minas começaram a vicejar movimentos culturais coletivos dos mais interessantes: grupos de artistas, de indígenas, sem-terra, movimento negro, secundaristas, em forma de coletivos, tendo como ferramenta de aglutinação a mobilização digital. O desafio do prefeito inovador consistirá em atrair esses movimentos e torná-los protagonistas de políticas públicas para suas áreas respectivas.

3-Interação com Universidades e Institutos Tecnológicos

Uma das grandes contribuições dos governos petistas foi a disseminação de universidades federais e institutos de pesquisa pelo interior. Anos atrás sugeri para Poços diversas iniciativas sociais bem-sucedidas em outros locais. O grande problema era a falta de quadros, de associações ou instituições capazes de assumir a responsabilidade por sua implementação. Agora já existem.

4-Cadeia produtiva do turismo

Poços tem potencial para um turismo da terceira idade, para esportes radicais, como estação de águas, sítio histórico, centro cultural. Cada evento atrai turistas de todas as partes, mas sem nenhum esforço de infraestrutura, de organização da cadeia produtiva, de definição dos papéis de cada setor em um plano integrado de turismo.

É um tema que comporta inúmeras políticas públicas, de definição de pacotes turísticos, treinamento e certificação de funcionários de hotéis e restaurantes, mobilização da hotelaria para programas de qualidade.

5-Cooperativas de artesanato

A cidade tem um polo de fabricantes de malha, tem tradição de tricô e crochê, de doces. O papel da Prefeitura será organizá-los em cooperativa e ajudar na promoção dos produtos.

Peça 5 – a reorganização partidária

Em Poços de Caldas, assim como em quase todas médias e pequenas cidades, houve um amplo esgarçamento do sistema político tradicional, que repousava nos três partidos, PT, PSDB e PMDB.

Agora, há um estilhaçamento eleitoral, uma troca ampla de partidos, tanto pela direita como pela esquerda e uma rapaziada esbanjando energia, e à margem do jogo político.

É o momento em que a aglutinação tem que se dar em torno de princípios e práticas políticas.

Por isso mesmo, essas eleições serão um belo ensaio para o futuro grande pacto nacional.

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